Dartagnelli e os três mosqueteiros do seguro

Por Glória Faria, publicado originalmente na Revista Plurale (*)

Estou aqui para narrar alguns fatos da vida de quatro homens com quem tive o privilégio da convivência profissional e de quem recebi grande parte do meu conhecimento de seguros. Ao modelo das novelas de capa e espada, viveram aventuras memoráveis e destacaram-se de forma heroica no cenário dos seguros por mais de cinco décadas em que movimentos políticos e sociais transforam nosso país.

A tarefa daria uma saga com vários volumes ou um seriado da Netflix – aqui vai, de graça, a ideia – mas não se preocupem que não passarei de um par de laudas.

Nossos personagens, que escolheram sair de cena juntos neste terrível ano de 2020, também foram contemporâneos. São eles, por ordem de saída de cena MARIO JOSÉ GONZAGA PETRELLI, MINAS MARDIROSSIAN, ALBERTO OSWALDO CONTINENTINO DE ARAUJO, MIGUEL JUNQUEIRA PEREIRA.

Vindos de diferentes estados do país, de origens familiares diversas, e personalidades distintas, tinham em comum a imensa capacidade de trabalho, mentes criadoras destacadas e o olhar para além dos limites convencionais de suas atividades.

Atravessaram os momentos dramáticos, obscuros e também os de avanço, modernização e liderança do Brasil, contribuindo significativamente com suas ideias e projetos.

A construção de Brasília, a travessia dos anos de chumbo, a inflação avassaladora, esta, inimiga número um do setor de seguros, a internacionalização do setor e a quebra do monopólio do resseguro foram intensamente vividos por eles. A chegada e o embarque da tecnologia nos produtos e serviços do mercado contaram com as boas vindas de cada um desses mosqueteiros cujo compromisso era com a expansão do setor e o futuro que vislumbravam para uma atividade primordial ao crescimento de qualquer nação.

Com vocês um pouco da vida de cada um deles.

MARIO PETRELLI – catarinense de Florianópolis mudou-se na adolescência para Curitiba onde se formou em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Sua atuação política iniciada no Colégio Estadual do Paraná acentuou-se na vida universitária período em que também foi repórter dos jornais O Dia e a Tarde. De inteligência inquieta e ideias muito além do seu tempo, deixou sua marca em empresas como a Boavista Seguros, Atlântica Boavista e Bradesco Seguros, em que foi vice-presidente. Esse catarinense de espírito inovador, sempre com bilhetes aéreos em aberto na pasta, tinha mais horas de voo que muitos pilotos seniors e uma ousadia vanguardista que contrastava com o perfil tradicional do mercado. Nos anos 1980 voltou sua atenção para a área de comunicação e veio a criar o maior grupo do Sul do País com mais de 10 emissoras de televisão, cinco rádios, jornais, revistas e portais de internet que formam o Grupo RIC no Paraná e o Grupo ND em Santa Catarina. Na Capital do país não havia quem não o conhecesse ou reconhecesse. Nos corredores do Congresso Nacional não andava 5 metros sem ser cumprimentado. Respirava política e tinha sempre a leitura mais precisa de como andava o país. Manteve-se atuante até os últimos momentos de sua riquíssima trajetória de vida.

MINAS MARDIROSSIAN – Nascido na Bélgica de pai armênio veio com a família com um ano de idade para o Brasil onde teve sua formação escolar e formou-se em Direito e Administração. Fundador e primeiro presidente do Clube Vida em Grupo do Rio de Janeiro (CVG-RJ) entidade que criou em 1965, iniciou sua trajetória na SulAmérica em 1957, e lá desenvolveu novas ideias nas áreas de vida e benefícios chegando a vice-presidência de produção dos produtos do grupo SAS. Expert em produção e comercialização no ramo de vida e, posteriormente, atuando em todos os ramos foi um incentivador da divulgação do seguro por meio de cursos, seminários e palestras que desenvolveu quando Diretor e depois Presidente do Sindicato das Seguradoras do Rio de Janeiro. Vendedor nato, gestor excepcional e analista assertivo do perfil profissional de seus colaboradores foi responsável pela descoberta de muitos talentos, que graças a seus incentivos vieram a se tornar líderes na SulAmerica e no setor. Mais tarde, já aposentado, na liderança da Confiance Consultoria continuou levando sua expertise para empresas e colaboradores. O que poucos sabem é da sua extrema habilidade com a marcenaria, que adotada desde muito jovem como hobby, foi usada para construir TODO o mobiliário de sua casa, motivo de um orgulho discreto que compartilhava com os amigos.

ALBERTO CONTINENTINO de família tradicional na política mineira- seu pai foi governador de Minas Gerais e prefeito de Belo Horizonte, poeta e membro da Academia Mineira de Letras – Alberto Continentino cursou a faculdade de engenharia e formado saiu pelo Brasil construindo estradas e pontes. Foi um dos pioneiros da construção de Brasília à frente de duas empreiteiras adentrando o seguro somente em 1961 pelo chamado da família que queria tê-lo na Minas Brasil. Nesta seguradora além da modernização na operação e na criação de novos produtos inspirados nas inúmeras viagens em que visitava e se reunia com seguradores estrangeiros, criou o hábito de um café vespertino em que reunia a diretoria, executivos e eventuais amigos de passagem, para contar os muitos “causos” da enorme experiência de vida. Extremamente sociável acrescentava alegria a qualquer festa dos inúmeros Congressos de que sempre participava. Pé de valsa famoso e cantor afinado de tangos a serestas sabia uma quantidade enorme de letras e outras tantas de versos de poemas. Suas particularidades não paravam por aí, esportista praticante era corredor assíduo; podia ser visto sempre bem cedo no percurso de ruas e praças do mundo inteiro antes de seguir para as reuniões de trabalho. Esteve por mais de 30 anos à frente do Sindicato das Seguradoras de Minas Gerais, tendo sido eleito diretor e vice-presidente da Fenaseg/CNseg por seis vezes. Sua atuação na Constituinte defendendo posições do setor e a seguir na criação do Mercosul e do Mercoseguros é amplamente reconhecida. Nas últimas décadas dedicou-se entusiasticamente à criação de gado girolando o que lhe rendeu inúmeras premiações em concursos nacionais e internacionais.

MIGUEL JUNQUEIRA, gaúcho de Taquari, foi ainda menino para Porto Alegre e mais tarde para o Rio de Janeiro onde se formou na Escola do Comando Maior do Exército. Ingressou no mercado de seguros em 1970, na GBOEX, foi presidente do Sindicato das Seguradoras do Rio Grande do Sul, coordenador do Comitê Brasileiro do Mercoseguros e presidente do Conselho de Representantes do Convênio do Seguro DPVAT. Dos tempos do Exército, o orgulhoso Oficial da Cavalaria guardava muitas histórias que contava com seu forte sotaque gaúcho, como o ditado sobre o que ocorre na caserna a cada passagem de comando, dizia ele: mudam-se os móveis e pintam-se os imóveis. A última homenagem do SindsegRS ao seu presidente de honra foi em 21 de julho de 2016, em Porto Alegre quando nas suas palavras de agradecimento, comparou o mercado segurador a um cavalo robusto que ajuda a puxar a economia, tal qual a importância deste animal no seu tempo de cavalaria.

Certamente a ausência desses homens configura uma grande perda para mas, indiscutivelmente, seu legado será sempre exemplo e base para novas conquistas e inspiração para novos mosqueteiros.

Meu adeus e meu muitíssimo obrigada a esses que tive a imensa sorte de ter como mestres.

(*) Glória Faria é Advogada, Conselheira da AIDA Brasil, Organizadora da Revista Jurídica de Seguros da CNseg, sócia de MOTTA, SOITO & SOUSA Advocacia Empresarial.

 Fonte: CNseg.