A aplicação da taxa selic nas condenações judiciais como meio de incentivar o crescimento do país

Está em discussão nos Tribunais Superiores qual é a taxa aplicável para fins de correção monetária dos depósitos decorrentes de condenação judicial nas relações privadas.

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), os debates, que se prolongam há quase uma década, referem-se à utilização ou não da Taxa Selic para a atualização dos créditos, incluídos os juros de mora. O Supremo Tribunal Federal (STF), por sua vez, avalia se a correção dos valores decorrentes das condenações trabalhistas e dos depósitos recursais em contas judiciais na Justiça do Trabalho deve se dar pela TR, pelo IPCA-e ou pela Selic.

Em que pese o STJ ter firmado, em 2008, entendimento no sentido de que, de acordo com o art. 406 do Código Civil1, a taxa dos juros moratórios a que se refere o dispositivo é a taxa Selic, por ser ela a que incide como juros moratórios dos tributos federais, o próprio Tribunal abriu divergência jurisprudencial em 2013 sobre a aplicação da referida taxa às relações privadas. O desenlace da temática assume ares de grande relevância devido à crescente necessidade de as empresas provisionarem as suas perdas para fazer frente às eventuais perdas decorrentes de demandas judiciais.

A discussão foi reaberta, pois os tribunais inferiores e os juízes de primeira instância, contrariando o entendimento firmado pela Corte Especial do STJ, vêm aplicando nas condenações judiciais a fórmula da correção monetária pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça respectivo (ou outro índice), mais juros de mora legais de 1% ao mês, o que supera, em muito, o índice de 12% ao ano.

Assim, além dessa divergência jurisprudencial (REsp 1.795.982/SP) a ser examinada pela Corte Especial do STJ, está sob avaliação do Superior Tribunal de Justiça, mais especificamente da sua 2ª Seção, o EResp 1.731.193/SP, para análise da divergência do tema nas turmas de direito privado, sendo certo que já foi confirmado, em sede de Agravo Interno, que as turmas de direito público entendem, em uníssono, pela aplicação da taxa Selic como índice de correção das condenações judiciais.

Relevante, portanto, será o julgamento da Corte Especial sobre o REsp 1.795.982/SP nos primeiros dias do mês de fevereiro de 2023, que determinará se a taxa Selic é o índice aplicável à correção das dívidas civis relacionadas a reparações da responsabilidade civil contratual e extracontratual. O cenário atual, lastreado no entendimento jurisprudencial divergente, estimula a judicialização dos conflitos e inibe o acordo entre as partes.

Quanto ao STF, o Plenário do Tribunal declarou a inconstitucionalidade dos artigos 879, § 7º e 899, § 4º, da Consolidação das leis do Trabalho (CLT), que alterados pela lei da Reforma Trabalhista, definiam a Taxa Referencial (TR) como índice de correção monetária a ser adotado em débitos trabalhistas.

Uma vez afastada a aplicação da TR, foi proposta a modulação dos efeitos da decisão, para que seja utilizado, na Justiça do Trabalho, até que sobrevenha legislação específica, o mesmo critério de juros e correção monetária aplicado nas condenações cíveis em geral, a saber: o Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-e), na fase pré-judicial, e, a partir da citação, a taxa Selic, com exclusão de quaisquer outros índices de correção ou mesmo dos juros moratórios de 1% ao mês.

À referida decisão foram opostos Embargos Declaratórios, que podem, além de modificá-la no mérito, alterar a modulação dos seus efeitos.

O fato é que a indefinição dos Tribunais Superiores quanto à taxa aplicável à correção monetária das condenações judiciais traz enorme insegurança jurídica a diversos setores econômicos, inclusive ao de seguros privados, o que torna premente uma solução.

Isso porque o elevado índice de correção atualmente praticado pelos tribunais inferiores e pelos juízes de primeira instância possui efeitos deletérios para o setor produtivo, por desestimular o autor da ação (credor) a resolver o litígio, esteja ou não em fase de execução. Interessa muito mais ao credor prolongar a lide, para obter, ao final da disputa judicial, montante superior ao que obteria se tivesse colocado fim à demanda e aplicado o dinheiro no mercado financeiro ou na poupança.

Em geral, conforme se observa em decisões judiciais, os tribunais têm atribuído, a título de condenação, o valor de 1% ao mês ao credor, acrescido de atualização monetária por índice da inflação. Este parâmetro não guarda qualquer paralelo com as taxas de juros recentemente praticadas no país. Em 2022, a inflação oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), atingiu 7,17% no acumulado de 12 meses, até setembro/20222. No ano vigente, a poupança rendeu 7,44%.3

Em suma, com a inflação abaixo de 12%, a "rentabilidade" em razão de uma decisão judicial favorável ao credor, poderá lhe ser muito benéfica, já que poderá ultrapassar rendimentos de 12% ao ano.

Tal situação, que contribui para o enriquecimento do credor, impacta fortemente o setor de seguros, que suporta o pagamento de indenizações muito superiores às inicialmente previstas e consideradas no cálculo atuarial do prêmio do seguro, afetando, por conseguinte, a mutualidade. Tal enriquecimento sem causa do credor, vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro4, ocorre na medida em que nenhuma indenização, que engloba o valor principal da condenação e seus acessórios, como os juros moratórios, pode ter valor superior àquele que seria obtido se o dano não tivesse ocorrido. Assim, em condições normais, o credor jamais obteria, minimamente, 12% de rendimento ao ano, se tivesse investido o valor da indenização.

Desta forma, a interpretação judicial está dissonante do contexto histórico-econômico e social, ao permitir um retorno ao credor muito superior à taxa de juros oficial aplicável à economia nacional.

É certo que as empresas devem provisionar suas perdas, para fazerem frente ao pagamento das condenações judiciais, dentre outras obrigações. Entretanto, a crescente necessidade de provisionamento para tanto, faz com que as empresas do setor de seguros e de outros segmentos econômicos deixem de investir na expansão dos negócios, o que é de vital importância para a retomada do crescimento econômico e social do País, inclusive com a geração de empregos e de renda.

Desta forma, a aprovação de um diploma legal que determine a aplicação da taxa Selic nas condenações judiciais, é medida apaziguadora das relações privadas e estimuladora do crescimento do País, na medida em que (i) incentivará as partes litigantes a celebrarem acordos, diminuindo a judicialização e afastando entendimentos divergentes entre tribunais e dentro do próprio STJ, o que promoverá maior segurança jurídica às relações privadas; e (ii) trará maior liquidez às empresas, permitindo a liberação de recursos para investimentos na produção de riquezas.

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1 Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional. (grifou-se)

2 Disponível em: https://www.ibge.gov.br/explica/inflacao.php Acesso em: 09/11/2022.

3 Disponível em: https://www.remessaonline.com.br/blog/rendimento-da-poupanca-saiba-quanto-rende-de-juros-hoje. Acesso em: 09/11/2022.

4 Art. 884 do Código Civil. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.

Fonte: CNseg