Nova Lei de Seguros de Portugal é destaque no Seminário Direito do Seguro

Pedro Romano Martinez, presidente da comissão que elaborou o projeto da Lei de Seguros portuguesa, veio ao país especialmente para debater principais avanços e trocar experiências com advogados brasileiros. Em vigor desde 1º janeiro de 2009, a nova Lei de Seguros de Portugal trouxe mudanças significativas às relações entre segurados e seguradoras. Aprovada por meio de um decreto-lei, a nova lei não apenas substituiu o anterior regime, que vigorava há mais 120 anos, como também modernizou o seguro português. Entre outras novidades, Portugal aboliu a necessidade de contrato escrito para validar o seguro e permitiu às seguradoras diferenciar o preço para segurados deficientes ou doentes, desde que justificado com dados estatísticos e atuariais objetivos. Estas e outras inovações foram apresentadas em detalhes pelo presidente da comissão que elaborou o projeto da Lei de Seguros portuguesa, Pedro Romano Martinez, durante o Seminário Direito do Seguro “Diálogo Portugal-Brasil uma reflexão européia sobre a Lei do Seguro”, realizado pela Associação Internacional de Direito de Seguro – AIDA Brasil, em 29 de janeiro, no auditório do Sindicato das Seguradoras de São Paulo (Sindseg-SP). Como coordenador do evento, o presidente da AIDA Brasil, José Armando da Glória Batista, compôs a mesa, juntamente com o vice-presidente da entidade, Marcio Alexandre Malfatti. Romano Martinez, que leciona Direito das Obrigações e Direito do Seguro na Universidade de Lisboa, também conhece a legislação brasileira. Por ocasião da preparação do projeto de lei que deu origem à atual lei portuguesa do contrato de seguro, ele estudou o Código Civil do país e analisou o Projeto de Lei 3.555, que trata dos contratos de seguros, revelando que ambos estão entre as fontes que inspiraram a produção da nova legislação de seguros portuguesa. Avançada, até mesmo para os padrões europeus, a nova lei de seguros portuguesa, segundo Romano Martinez, manteve como base o direito existente, sem se afastar da realidade atual. Ele frisou, porém, que os problemas de hoje nas relações de seguros não diferem muito daqueles descritos no Tratado de Seguros, escrito por Pedro Santarém nos séculos XV-XVI. A obra, que Romano Martinez faz questão de indicar como primeira leitura aos seus alunos da faculdade de Direito, tem como base o direito romano, o qual se sustenta nos pilares da liberdade contratual e no equilíbrio da relação. Estes pilares, por sua vez, têm como base, segundo ele, três máximas do direito romano, que são: viver corretamente; não prejudicar os outros; e dar a cada qual o que é seu. Proteção somente para quem precisa Enquanto no Brasil as leis de defesa do consumidor são tidas como um grande avanço, Portugal parece caminhar no sentido contrário nessa questão. Romano Martinez contou que a mudança de rumo é resultado também da experiência com a legislação trabalhista, que promovia proteção, por vezes, em excesso aos trabalhadores. Ocorre que, na prática, não raras vezes, eram os altos dirigentes das empresas que se valiam dessa proteção. Hoje, ele diz que o problema foi corrigido e o Direito do Trabalho retornou, em parte, à sua tradição. Para Romano Martinez, o Brasil poderá enfrentar problemas semelhantes em relação ao consumidor. “Nossa concepção de consumidor diverge da do Brasil, porque não reconhecemos a hipossuficiência, como consta no Código de Defesa do Consumidor brasileiro”, disse. O professor explicou que a tutela ao segurado em Portugal é aplicada apenas às pessoas físicas, nos seguros de massa, como vida, acidentes pessoais e saúde. Além disso, está restrita aos seguros que não tenham relação com a atividade do segurado. “Um advogado que faça um seguro de Responsabilidade Civil não será considerado consumidor pessoa física”, exemplificou. “Para nós o consumidor é tão somente uma pessoa física sem qualquer relação profissional”, acrescentou. Segundo Romano Martinez, nos seguros de grandes riscos não há necessidade de proteção ao segurado, porque a relação ocorre “em pé de igualdade”. Ele explicou que a idéia básica do consumo, em Portugal, é voltada à proteção daqueles que realmente necessitam dela. A concepção de que as normas tenham de ser mais favoráveis a uma das partes, a seu ver, cria incertezas e insegurança. “Por isso partimos da igualdade das partes, limitando a proteção a algumas situações. Porque entendemos que o excesso de proteção leva à desproteção”, afirmou. Segurados podem escolher legislação estrangeira A internacionalização do seguro em Portugal foi reforçada pela nova lei. Recorrendo novamente a Pedro Santarém, Romano Martinez informou que o autor já dizia no século XV, que o seguro não poderia ficar circunscrito às fronteiras do Estado. Hoje, Portugal, Holanda e Inglaterra são os países da União Européia onde se manifesta de modo mais amplo o princípio geral da liberdade de escolha de leis, de tribunais ou, até, de resolução de conflitos por via arbitral. Da mesma forma que nas relações de trabalho, em Portugal, se pode escolher a legislação trabalhista de outros países, no mercado de seguros, os seguradores e segurados também usufruem de liberdade para escolher uma legislação estrangeira para regular os seus contratos, desde que haja conexão justificativa. “Em Portugal, a relação de seguro é internacional e, como tal, deve estar centrada na liberdade das partes”, justificou. Para Romano Martinez, este e outros avanços incorporados à legislação não torna o Direito português melhor do que o de outros países. Entretanto, disse que não saberia avaliar se esse modelo serviria ao Brasil. O presidente da AIDA, José Armando da Glória Batista, acredita que o país caminha nesse rumo. “Será muito difícil impedir essa marcha, na qual a nacionalidade ficará um pouco minimizada e a legislação mais globalizada”, disse. “Certos atos dolosos não impedem o pagamento de indenização” Uma das questões mais debatidas no seminário conduzido pelo palestrante português se refere ao pagamento de indenização em caso de dolo. Romano Martinez fez questão de ressaltar que a lei de seguros portuguesa não prevê o pagamento de indenização em caso de dolo do segurado. “A boa-fé é a base do contrato de seguros e não prevê qualquer condescendência a quem atua com a perspectiva de enganar outrem”, destacou. Entretanto, ele informou que o órgão regulador de seguros português abriu uma exceção para os seguros de Responsabilidade Civil, estabelecendo que “certos atos dolosos não impedem o pagamento de indenização”. O propósito, segundo Romano Martinez, foi exclusivamente o de proteger o terceiro lesado, “que não têm culpa dos atos do segurado”, disse, e se aplica tendencialmente aos casos de dolo indireto. Seguro mais caro para segurados deficientes O artigo 15 da Lei de Seguros é um dos mais polêmicos e criticados pelos portugueses. Como país desenvolvido, a Constituição portuguesa proíbe qualquer tipo de discriminação. Porém, reiterando o princípio constitucional, a nova lei de seguros permitiu a “diferenciação”, na definição de Romano Martinez, no trato de segurados com deficiência ou doença grave. Essa distinção, entretanto, tem de ser amparada por dados objetivos, estatísticos e atuariais, segundo ele. Apesar de muitos interpretarem a regra como uma permissão à discriminação, Romano Martinez esclareceu que o objetivo foi tão somente proteger esse tipo de segurado, que até então poderia ter seu seguro negado. O presidente da aida lembrou que algo semelhante ocorre no Brasil com o seguro de automóvel, que tem o preço elevado em função do risco. “Parece-me que essa regra foi colocada para proteger a técnica atuarial da seguradora. Portanto, o critério é técnico”, disse ele. Apólice não precisa ser escrita Em Portugal, segundo explicou o palestrante, o contrato de seguro é um contrato como outro qualquer. E como tal, celebrado na base da confiança entre as partes. No âmbito do seguro, os portugueses diferenciam contrato de apólice. “O contrato é o consenso e a apólice sua mera formalização”, definiu Romano Martinez. Na tentativa de “superar formalidades”, ele disse que a nova lei estabeleceu que o contrato de seguro não carece de forma. Isto é, não precisa da forma escrita para ser validado, desde que esse consenso seja manifestado verbalmente pelas partes ou por troca de correspondência. Nesta sequência, explicou que foi abandonado o paradigma do papel como suporte dos documentos, não sendo necessário sequer que a apólice esteja transcrita num documento em papel. Porém, frisou que “ninguém está impedido de usar papel, se assim o desejar”. Durante o seminário, Romano Martinez dedicou boa parte do tempo ao esclarecimento da nova lei. No encerramento, o presidente da AIDA, reconheceu que a palestra forneceu aos participantes uma “visão futurista” do seguro, já que, segundo ele, os países do hemisfério Norte estão mais adiantados do que o Brasil nessa área. Fonte: AIDA - Associação Internacional de Direito de Seguros