Mercado de resseguros aberto completa um ano: há vagas

Desemprego avança e mostra o tamanho da crise. Queda do PIB no Brasil é uma das piores do mundo. Indústria brasileira demite pelo quinto mês consecutivo. As recentes manchetes da imprensa brasileira retratam dois dos piores impactos da crise financeira internacional sentidos pelo País: corte de postos de trabalho e desaceleração da economia. Há um setor, no entanto, que navega contra a corrente, mesmo em tempos de águas turvas e alguns naufrágios empresariais: o resseguro, atividade que oferece capacidade financeira, diluída entre várias organizações em todo o globo, para apólices de alto valor emitidas por seguradoras. Conhecido pelos leigos como seguro do seguro, o resseguro é, na verdade, a proteção do patrimônio de uma companhia de seguros, podendo garantir a cobertura de um único grande risco (tratado), como a construção das usinas hidrelétricas do Rio Madeira e a obra de uma plataforma de petróleo da Petrobras, ou a carteira de apólices de veículos de uma seguradora (facultativo). No próximo dia 17, o mercado brasileiro de resseguro completa um ano da abertura à concorrência privada, depois de um monopólio de 69 anos do IRB-Brasil Re, criado em 1939 por Getúlio Vargas. A atividade enfrenta bem a crise, mas só não pode ser considerada um mar de rosas porque há uma intensa agitação de corretoras e resseguradoras aportando por aqui - 84 ao todo, vindas das latitudes e longitudes mais variadas do globo, dos Estados Unidos à Índia, da França à Coreia do Norte. A expectativa é que essa onda continue rolando até morrer na praia dos novos negócios. "O resseguro no Brasil tem um potencial de crescimento formidável e é o melhor ponto de entrada para os mercados da América Latina", afirma o indiano Yogesh Lohiya, presidente da gigante General Insurance Corporation of India (GIC Re), que planeja abrir filial no País. A corrida pela contratação dos melhores profissionais também agita esse novo mercado. Ao contrário de outros setores da economia, há vagas em abundância no resseguro brasileiro e até falta "mão-de-obra" qualificada. Precisa-se A seguradora Zurich, por exemplo, busca há seis meses um gerente de risco para cuidar de seus negócios de resseguro. O salário de R$ 12 mil seguramente não é um empecilho para o preenchimento da posição. A Liberty está importando trabalhadores. A Mapfre Re do Brasil abriu recentemente escritório em São Paulo e montou um time com cerca de 15 pessoas, das quais duas estão em treinamento na Espanha. O site de recrutamento especializado Michael Page apresenta diariamente mais de 20 ofertas para cargos variados: gerente, analista, atuário ou underwriter - o famoso subscritor, profissional responsável pela análise e aceitação de riscos. Experiência, conhecimento técnico (com destaque para engenharia e ciências atuariais) e capacidade analítica estão entre as principais exigências. Pós-graduação ou MBA são desejáveis. Inglês fluente é essencial, uma vez que o fechamento de um único contrato de resseguro pode envolver empresas do mundo inteiro. A remuneração para underwriters e atuários pode variar de R$ 8 mil a R$ 15 mil, sem contar o pacote de benefícios. Edson Wiggers, diretor comercial da XL Re e professor de pós-graduação da cadeira seguro e resseguro para o setor petrolífero da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Fundação Getulio Vargas (FGV-RJ), reconhece a "evidente a falta de capital humano". "Nos negócios facultativos, algumas seguradoras já possuem padrões de subscrição mais desenvolvidos e alinhados com o mercado internacional. Mas quando falamos de contratos vem a pergunta: ?R˜Quem ou quantos são os subscritores do Brasil que subscreveram contratos aos longo dos últimos anos??R™ Temos ótimos compradores de contratos que conseguiram entender bem o mecanismo do resseguro, desenvolver suas análises de carteira e otimização dos contratos, mas precificar, estabelecer termos e condições do contrato, exclusões, cláusulas, procedimentos operacionais e uma análise do retorno do capital investido, isso tudo seguramente não é algo conhecido por muitos", avalia Wiggers. Mesmo assim, o executivo e acadêmico enxergam oportunidades para jovens profissionais. "É preciso crescer no devido espaço de tempo, pois muitos jovens com ótima formação, domínio de dois ou mais idiomas e com um perfil ?R˜high potential?R™ têm sido intensamente atacados pelo mercado, o que fez, muitas vezes, com que em apenas um ano esses jovens tivessem seus salários triplicados ou até quadruplicados. Isso não é ruim, mas o importante é ressaltar que junto com um salário alto vem também uma grande responsabilidade, que nem todos têm porque é preciso experiência, tempo de carreira e maturidade." Os jovens Luciano Ávila e James Hodge, de 28 anos, adquiriram o tal nível de maturidade. Depois de acumular boa dose de experiência profissional e acadêmica, Ávila já rejeitou propostas tentadoras para se firmar como executivo bem-sucedido na Odebrecht Corretora de Seguros (OCS). Logo após a abertura do mercado nacional de resseguro, Hodge aceitou o convite para se tornar diretor da UIB Re Brasil para levar adiante o desafio de ampliar os negócios da corretora para outros países da América Latina. Apesar de exemplos positivos, o chefe de subscrições para a América Latina da ACE, Marc Poliquin, é cético. "A falta de capital humano é muito grave no País e impede o avanço dos negócios. Estamos encerrando o primeiro ano do mercado aberto e as empresas se mostram completamente despreparadas", criticou Poliquin durante palestra a centenas de executivos brasileiros e estrangeiros, realizada no mês passado, no Rio de Janeiro. O professor Edson Wiggers rebate: "O brasileiro tem uma capacidade ímpar de se relacionar e se adaptar a novas situações. Temos ótimos profissionais, somos bons, temos capacidade e competência. Não aceito a idéia de ouvir pessoas de fora que ousam dizer que não conhecemos seguro ou resseguro." Rouba-monte As críticas não vêm apenas de estrangeiros. Brasileiro e presidente da maior resseguradora do País, Eduardo Nakao, do IRB-Brasil Re, é incisivo: "Vai faltar mão-de-obra especializada". A escassez gera o fenômeno conhecido no mercado por rouba-monte. Nesse caso, uma empresa "rouba" um profissional experiente da concorrente com a proposta de salário e pacote de benefícios atraentes, quase sempre impossíveis de serem rejeitados. Nakao contabiliza a perda de mais de 20 funcionários, o que considera "natural e saudável". "Eu fico feliz. Para o IRB é bom, mostra que somos uma boa escola." O executivo, entretanto, ressalta o aspecto predatório da prática. "É uma questão de conhecimento do desempenho do mercado local. Em dois, três anos, de todas essas pessoas contratadas, também das seguradoras, só vão restar poucos, porque na competição eu exploro e depois de obter o conhecimento que preciso, eu descarto. Vou manter apenas os profissionais excepcionais", sentencia. O Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Resseguros (Sintres) informa que cerca de 200 funcionários deixaram o IRB desde a abertura do mercado, inclusive para outras empresas estatais, como Petrobras e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Para compensar os talentos "roubados", o IRB-Brasil Re admitiu 244 pessoas a partir de um concurso realizado há dois anos e continuará convocando os aprovados. A companhia também aposta em treinamento - em 2007, 297 funcionários participaram de cursos de negociação, precificação, programas técnicos de seguro e resseguro, pós-graduações e inglês, e seis profissionais foram enviados para o exterior; no ano seguinte, 454 empregados foram treinados (80% do quadro da empresa) e 11 foram estudar fora do Brasil. Os mais de 20 anos de trabalho no monopólio do IRB-Brasil Re renderam experiências suficientes para Ronaldo Novis rodar por cinco empresas e ter seu trabalho valorizado pelo mercado. Em 1996, foi contratado pela seguradora especializada em grandes riscos Itaú XL por um salário até 40% mais alto. Hoje é gerente de contratos da resseguradora francesa Scor, uma das cinco maiores do mundo. Novis reconhece que a passagem pela estatal e pelos cursos da Escola Nacional de Seguros (Funenseg) foram fundamentais para sua formação profissional. "Comecei no IRB como mensageiro em 1968, com 13 anos; saí aos 17 para servir o exército e voltei aos 20 anos num concurso para auxiliar administrativo. No início da década de 1980, já era chefe do setor de riscos diversos, depois passei a assessor e a gerente de departamento. Sem dúvida, aprendi tudo que sei no IRB e também na Funenseg, onde fiz ótimos cursos", lembra Novis, que participou de grandes contratos e teve a dor de cabeça de dar encaminhamento a sinistros históricos, como o da plataforma P-36 da Petrobras, que afundou na Bacia de Campos, em março de 2001, matando 11 pessoas e gerando um prejuízo de cerca de R$ 1 bilhão. O executivo também recorda da estrutura de resseguro para apólices menos comuns, como o seguro de invalidez profissional dos craques Zico e Luís Pereira e até a inusitada cobertura das coxas e dos seios da atriz Cláudia Raia. "Eles jogavam no exterior e os clubes exigiam uma garantia para liberá-los para jogar pela Seleção. ÅUR época, as seguradoras não tinham experiência para desenvolver o produto nem queriam assumir os riscos. No caso da Cláudia Raia, todo mundo do departamento queria fazer a inspeção do risco", brinca Novis. Fonte: Gazeta Mercantil