Nova lei do inquilinato

  A busca do aperfeiçoamento contínuo dos mecanismos da completa e dinâmica Lei do Inquilinato (8.245/1.991) — aniversariando quase duas décadas — desaguou no final de 2009, na publicação da Lei 12.112/2.009, modificando e complementando algumas questões que foram surgindo nas relações entre locadores e locatários durante estes 18 anos de vigência da Lei do Inquilinato.   Alguns meios de comunicação, entretanto, vêm alardeando tais alterações como verdadeira revolução nas locações, sugerindo que mudanças essenciais ocorreram na fiança, nas multas e até na duração da Ação de Despejo.   Ocorre que, apesar de extremamente positivas e benéficas, as mudanças da nova lei não possuem o condão de mudar a substância global das relações locatícias. Em outras palavras, há benefícios, mas não o “milagre” novo que se noticia.Algumas alterações chegam a ser simples regulamentações de posições que há muito já vinham sendo adotadas pela Jurisprudência dos Tribunais de nosso país. Passemos então a analisar as principais mudanças trazidas pelo novo diploma legal e os reflexos que poderão causar nas regras entre os senhorios e seus inquilinos. A nova redação do artigo 4º, por exemplo, faz previsão expressa a proporcionalidade no cálculo da multa de rescisão nos casos em que o inquilino entregar o imóvel antes do término do prazo contratual.Na versão atual do dispositivo, a expressão “proporcionalmente ao período de cumprimento do contratual” vem sacramentar uma posição já há tempos adotada pelos diversos tribunais da Federação e do próprio Superior Tribunal de Justiça.Logo, pouca mudança prática nesta questão, apenas a transformação da posição jurisprudencial maciça em letra de lei propriamente dita. O artigo 12º trata de alterações nas questões inerentes à fiança, contrato acessório de garantia do pagamento por terceiros, nos casos em que o inquilino não honrar com o adimplemento dos encargos contratuais em dia.Alguns noticiários veicularam a notícia de que o advento da nova lei traria a possibilidade do fiador exonerar-se de seu encargo quando bem entendesse desde que notificando previamente o locador.No entanto, tomar essa regra como genérica é equivocar-se. O referido artigo visa proteger hipótese específicas e não a locação em geral. Reza o texto “Artigo 12.  Em casos de separação de fato, separação judicial, divórcio ou dissolução da união estável, a locação residencial prosseguirá automaticamente com o cônjuge ou companheiro que permanecer no imóvel”.Ora, de plano já é possível observar que a aplicação da regra é limitada aos casos de locações residenciais (novidade da redação atual) e que seu objetivo inquestionável é o de proteger a moradia do cônjuge ou do companheiro nos casos do término da relação conjugal. O dever de informação ao locador e a fiador previsto no parágrafo 1º deste artigo também é medida salutar, pois traz mais transparência, cautela e lisura às alterações ocorridas no curso da locação.Mas a maior modificação deste artigo veio no parágrafo 2º com a possibilidade do fiador em eximir-se de sua obrigação nos casos previstos no “caput” (dissolução da sociedade conjugal) por simples ato notificatório, merecendo transcrição o referido texto: “§ 2o  O fiador poderá exonerar-se das suas responsabilidades no prazo de 30 (trinta) dias contado do recebimento da comunicação oferecida pelo sub-rogado, ficando responsável pelos efeitos da fiança durante 120 (cento e vinte) dias após a notificação ao locador.” Não se pode perder de vista que o contrato de fiança é um contrato acessório ao contrato de locação e, ao mesmo tempo, que suas bases decorrem da pura e simples relação de confiança entre afiançado e fiador. A natureza deste contrato é benéfica e alterações no principal não podem piorar a situação do fiador.A palavra fiança decorre de fidúcia (confiança) ou, na melhor definição do Dicionário Michaelis: “1 Obrigação assumida por terceira pessoa, responsabilizando-se total ou parcialmente pelo cumprimento da obrigação do devedor, quando este não a cumpre ou não a possa cumprir; caução. 2 Quantia correspondente a essa obrigação. 3 Abonação. 4 Ato de fiar ou caucionar uma obrigação alheia”.Isto posto, o que se percebe é que a alteração no pólo contratual do locatário por força de separação, ou dissolução conjugal de qualquer outra sorte, altera também a relação de confiança original entre o fiador e o casal. Assim, caso o fiador que tomou ciência da alteração familiar decidir não mais ser o garantidor da locação para apenas um dos cônjuges, poderá exonerar-se com notificação direcionada ao locador, ficando responsável pelos 120 dias subseqüentes à entrega deste documento.De qualquer forma, a Jurisprudência já vinha interpretando alterações nos pólos do contrato de locação como justificadores a exoneração da fiança, o que vem de encontro a esta alteração. Importante repisarmos o fato de que esta regra não se aplica a todos os casos de fiança, mas somente às hipóteses previstas no “caput” do artigo 12º, ao revés do que muito vem se propagando.O artigo 39º também trouxe em seu corpo um acréscimo importante: “Art. 39.  Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força desta Lei”.A redação originária deste artigo nunca foi duvidosa ou mesmo polêmica, entretanto, as relações sociais e situações advindas de alguns entraves judiciais acabaram em decisões jurisprudenciais opinando pela duração das garantias contratuais somente até o último dia do prazo contratual e não até a devolução do imóvel em si. A nova redação sedimenta o entendimento de que as garantias, sejam elas de fiança ou de qualquer outro tipo, responderão pelas obrigações contratuais até a efetiva entrega de chaves (devolução de imóvel).Algumas decisões judiciais entendiam que a natureza benéfica do contrato de fiança autorizaria o entendimento da garantia somente até o fim do prazo contratual. A partir de agora, nenhuma dúvida mais nesse sentido: mesmo terminado o prazo locatício e prorrogada a locação, as garantias se estenderão até a efetiva entrega do imóvel.É no artigo 40º onde identificamos uma das mais interessantes inovações desta “modernização”da Lei do Inquilinato. Este dispositivo traz o rol de hipóteses em que o locador pode exigir a apresentação de novo fiador ou de substituição da garantia já existente e dentre os casos que já existiam, foi incluído o inciso X, cuja redação prevê que na “prorrogação da locação por prazo indeterminado, uma vez notificado o locador pelo fiador de sua intenção de desoneração, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante 120 (cento e vinte) dias após a notificação ao locador”.Assim, duas constatações merecem relevo: (1). No término do prazo contratual, o fiador pode notificar o locador e exonerar-se da fiança, ficando responsável ainda por 120 dias pelas obrigações contratuais de seus encargos e (2). O locador de sua parte, nestes casos em particular, poderá exigir de seu inquilino um novo fiador ou outra garantia.Para exercer este direito, o locador deverá notificar o locatário para cumprir a obrigação de apresentação do novo fiador no prazo de 30 (trinta) dias contados do recebimento deste documento.A conseqüência da inércia do inquilino a este pedido é a mesma de qualquer infração aos termos do contratual, ou seja, o direito do locador de requerer a rescisão do mesmo e, por conseguinte, obter o Despejo do imóvel. Este novo inciso do artigo 40º põe fim a uma lacuna nas situações envolvendo esta problemática, que era protegida antes pelo artigo 835º do Código Civil, que previa apenas a possibilidade de exoneração do fiador com 60 dias de responsabilidade posterior.Por óbvio que a intenção do legislador civilista sempre foi a de evitar a que a fiança se eternizasse e que o fiador pudesse dispor de mecanismos legais a fim de exonerar-se quando assim entendesse conveniente (e apenas nos casos de contratos prorrogados por prazo indeterminado), no entanto, este artigo do Código Civil trazia um vazio grave: a situação das garantias do locador após a exoneração de seu fiador.Além disso, não bastasse a clareza e a correção de possibilitar ao locador a exigência de novo fiador ou modalidade de garantia nos casos acima mencionados, sob pena de rescisão contratual, o prazo de extensão da responsabilidade pós-notificação do fiador que era antes de 60 dias pelo Código Civil, agora dobra e, será de 120 dias segundo a Lei 12.111/2.009.“2ª PARTE — MODIFICAÇÕES E INCLUSÕES NOS PROCEDIMENTOS DAS AÇÕES JUDICIAIS MANEJADAS NAS RELAÇÕES DE LOCAÇÃO”Merece relevo também, a inclusão de novas hipóteses aos casos de possibilidade de concessão de ordem liminar em Ações de Despejo. Por serem ações que tutelam habitação e moradia, resta evidente que as Ações de Despejo devem sempre ter acurada atenção do legislador e parcimoniosa interpretação e instrumentalização por parte dos operadores do direito. Os efeitos de uma ordem liminar são notoriamente conhecidos. O pedido da parte Autora é imediatamente antecipado e em um prazo bastante curto o imóvel pode ser despejado.O rol de situações que permite a concessão de liminar em ações desta natureza encontra-se no corpo do artigo 59º da Lei 8.245/91 e que recebeu o acréscimo com a lei nova dos incisos VI a IX, que basicamente regram situações que boa parte da Jurisprudência já vinha aceitando como passíveis de concessão de liminar, dentre as quais, sobressai-se a do inciso VIII.A bem da verdade, tal incisivo regra a hipótese de locação residencial cujo prazo terminou e o locatário á encontra-se notificado há mais de 30 dias do interesse do locador em retomar o imóvel. A possibilidade de liminar nestes casos, certamente fará recair sobre locadores e locatários a obrigação de repensarem os aqueles contratos cujo prazo se escoa e nenhuma renovação é feita. O comodismo da prorrogação por prazo indeterminado deverá finalmente dar lugar à premente urgência em se reunir para repactuar ou renovar a contratação por novo prazo determinado. Ganha neste ponto, a segurança jurídica de ambas as partes.O inciso IX deste artigo é talvez um dos que traga a mudança mais significativa da nova legislação.Trata-se da possibilidade de Despejo com Liminar para os contratos de locação que não tenham garantias do artigo 37º da Lei 8.245/91, ou que tenha tido fiança extinta ou pedido de exoneração consumado.Em outras palavras, nos contratos em que o locador estiver “descoberto” de garantias contratuais, a legislação compensará este desequilíbrio possibilitando que o Juízo da Ação de Despejo conceda-lhe ordem liminar a fim de abreviar o resultado da demanda.Com isso, premiar-se-ão os locatários classificados como bons pagadores e evitar-se-á, a demora na restituição do imóvel (posse) ao locador, gerando débitos de meses de encargos locatícios em aberto e que, certamente seriam inadimplidos pelo inquilino que nem mesmo condições reúne, para pagar o aluguel vigente em dia. O locador mesmo sem garantias de pagamento poderá contar com um Despejo rápido, fato este que pode facilitar na hora da contratação, que muitas vezes esbarra na dificílima tarefa de obter fiadores com patrimônio capaz de fazer frente aos possíveis débitos em caso de inadimplemento contratual.Também no campo das ações judiciais, mais especificamente da Ação de Despejo, a inovação do inciso II do artigo 62º inerente a purgação da mora, veio em boa hora. Em termos didáticos e simplificados, a purgação da mora nada mais é do que o pagamento do débito, evitando as conseqüências da mora que, no presente caso, é dos alugueres e demais encargos gerados pelo imóvel locado.A redação antiga deste artigo falava que a purgação da mora seria possível se o locatário requisitasse ao juiz dentro do prazo da Contestação (15 dias), autorização para realizar o pagamento do débito, o que acabava por estender este debate por alguns meses diante dos trâmites cartoriais e prazos judiciais a serem aguardados. A redação atual prevê que para que a purgação da mora seja validada, o inquilino deverá formular seu pedido ao juízo já fazendo-o acompanhar do depósito judicial pertinente, o que encurtará para o locador, o recebimento do montante devido.No caso de depósito incompleto, a novidade positiva é a possibilidade de intimação para complementação do valor na pessoa do advogado do Réu (locatário) por publicação em órgãos oficiais, o que certamente agilizará sobremaneira a providência. Outra alteração positiva, é que ao invés de poder utilizar a faculdade da purgação da mora por 02 vezes (01 a cada intervalo de 12 meses), como previa a Lei nº 8.245/91, a nova sistemática prevista no parágrafo 3º deste artigo 62º limita o uso do benefício apenas 01 vez a cada 24 meses (anteriores ao ajuizamento da Ação de Despejo), o que pressionará ainda mais os inquilinos a manterem-se quites com suas obrigações contratuais nos prazos entabulados com seus locadores.Importante alteração na busca de maior celeridade na Ação de Despejo é o chamado “Mandado único de Despejo”, que veio abarcado no artigo 63º.