Artigo: Um número espantoso

Antonio Penteado Mendonça

A Seguradora Líder do DPVAT, o seguro obrigatório de veículos automotores terrestres, publicou, não faz muito tempo, seus números referentes ao primeiro semestre de 2012. Nenhum deles é bonito, exceto se a leitura for feita sob a ótica da eficiência da companhia em pagar rapidamente os sinistros cobertos. Mas, se nenhum é bonito, tem um que é o mais feio de todos. No primeiro semestre de 2012, a Seguradora Líder pagou 29.770 indenizações por mortes decorrentes de acidentes de trânsito. É um número absurdo, que, anualizado, aponta para o total de 60 mil mortos em 2012.

Na mesma época, um oficial da Polícia Militar de São Paulo, falando à Rádio Estadão ESPN, informou que o total de mortes causadas pelo trânsito, no Brasil inteiro, ao longo do ano, deveria se aproximar de 33 mil óbitos. É praticamente a metade. Então, onde está a mágica? Este é o problema: tem mágica. E a mágica disfarça um quadro pior do que as autoridades tentam vender. Para dar noção do que são 60 mil mortos, a melhor comparação são os 50 mil soldados norte-americanos que morreram na Guerra do Vietnã.

No Brasil morrem, anualmente, vítimas do trânsito, 10 mil pessoas a mais do que todos os soldados norte-americanos mortos no Vietnã, em 10 anos de combates. Por que eu insisto em 60 mil mortos por ano? Porque as 29.770 indenizações foram pagas. A seguradora pagou aos beneficiários, a título de indenização por morte coberta pelo DPVAT, o total de 29.770 indenizações, todas consequentes de acidentes acontecidos nas ruas e estradas brasileiras.

Nenhuma seguradora costuma pagar indenizações que não são devidas. E a Seguradora Líder não é exceção, mesmo porque, se pagasse o dobro das indenizações efetivamente devidas, seus administradores ficariam sujeitos a todas as consequências civis e penais da tipificação da gestão temerosa, nos termos da legislação brasileira.

Se a seguradora tem certeza dos seus números, como as autoridades explicam a divergência gritante entre o informado por elas e o pago pelo seguro obrigatório? A resposta é simples: as estatísticas oficiais costumam computar como vítimas de acidentes de trânsito apenas as pessoas que morrem no local dos fatos. Ou seja, os feridos que são transportados para os hospitais e depois morrem neles não são considerados vítimas de acidentes de trânsito, pelo menos para efeito destas estatísticas, o que é um absurdo, mas faz o quadro ficar bem mais bonito.

Já a Seguradora Líder não pode se furtar ao pagamento das indenizações decorrentes destas mortes. Tanto faz se a vítima faleceu na rua ou num hospital, para efeito de pagamento da indenização do seguro obrigatório não é o local da morte, mas as causas que levam ao óbito que são consideradas.

Esta distorção já havia sido apontada numa pesquisa feita há alguns anos para quantificar o total de motoqueiros que morrem diariamente na cidade de São Paulo. A pesquisa realizada por professores da USP havia identificado que o número de mortes era maior do que o informado porque as autoridades apontavam como mortos nos acidentes apenas os motoqueiros que morriam nas ruas. Os que eram transportados para os hospitais eram simplesmente desconsiderados.

O Brasil vem fazendo esforços sérios para modificar este quadro trágico. As recentes decisões da Justiça,endurecendo muito as penas dos causadores diretos e indiretos de acidentes de trânsito em função do consumo de álcool, mostram isso. Da mesma forma que o endurecimento da legislação atinente à matéria. Mas só isso não basta. É indispensável que haja um controle sério e permanente da habilitação dos motoristas, do consumo de bebidas alcoólicas por eles e das condições dos veículos.

Sem que estas ações se tornem rotina quase que diária na vida das cidades e estradas brasileiras, o número de mortes continuará elevado, a Seguradora Líder do DPVAT continuará apresentando números piores do que os mostrados pelas autoridades e o seguro de veículos continuará custando caro.

É Presidente da Academia Paulista de Letras, sócio da Penteado Mendonça Advocacia e comentarista da Rádio Estadão ESPN

Fonte: Clipp-Seg | Revista Cobertura (Jornal O Estado de São Paulo)