Mercado avalia clausulado norueguês de Cascos Marítimos
O seguro de Cascos Marítimos convive com uma situação paradoxal no mundo: não alcança lucro há 17 anos consecutivos e, mesmo assim, seguradoras e resseguradoras demonstram apetite redobrado para acolher riscos neste ramo sem mexer nas taxas, prolongando o chamado ciclo de soft market (muito competitivo). No Brasil, o resultado operacional negativo se repete há dois exercícios seguidos. Porém, como no mundo, não há indicação de que ocorrerá correção nos prêmios, mesmo porque as perdas ainda não são tão expressivas. Além da capacidade mundial ampliada, fundamental para suavizar os riscos assumidos pelas seguradoras e, em consequência, limitar suas perdas a partir de repasses a resseguradores, há um movimento em prol da crescente utilização no País do clausulado da Noruega para Cascos Marítimos, considerado mais amigável aos segurados e tido como um aliado para melhorar o resultado operacional nos próximos anos, já que as revisões dos planos ocorrem a cada três anos em busca do equilíbrio. Adicionalmente, o Brasil tem potencial de crescimento dos negócios nesse ramo, tendo em vista a dinâmica do comércio exterior e os investimentos de frota de apoio.
Na verdade, o mercado brasileiro já adota alguns dos princípios do clausulado do mercado nórdico, mas a manutenção das condições gerais brasileiras faz que a efetividade do modelo norueguês fique no meio caminho com esta opção híbrida. “O ideal é procurar manter o texto nórdico o mais íntegro possível, por ser proativo, por procurar resolver os problemas e tentar reduzir as perdas dos sinistros. Mas é fato que isso se torna incompatível com a coexistência das condições nórdicas e brasileiras no mesmo contrato de seguro de Cascos Marítimos. Dessa forma, podem surgir dúvidas e discussões e este não é o propósito de uma boa apólice”, afirma a diretora da AON, Maria Helena Carbone.
Maria Helena apresentou a visão do mercado internacional de Cascos Marítimos, números estatísticos, a aplicação das Condições Norueguesas e seus principais diferenciais durante o seminário “Seguro de Cascos Marítimos, condições norueguesas e a regulação de sinistros”, evento promovido pela Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg) e pela Escola Nacional de Seguros , no Rio de Janeiro, nesta terça-feira, dia 19. O propósito do encontro foi justamente avaliar os dois modelos e aprofundar os debates para uma possível revisão das regras de Cascos Marítimos. Além de Maria Helena, o outro palestrante do encontro foi o especialista Salvador Picolo, que detalhou o processo de vistorias, os custos envolvidos e a responsabilidade dos salvados.
No seminário reuniu cerca de 120 participantes, no auditório da Escola Nacional de Seguros, no Centro do Rio de Janeiro, Maria Helena lembrou que, desde 2011, as perdas ocasionadas por grandes sinistros na navegação “atingem escalas sem precedentes, ao lado de uma frequência indesejada”. No ano passado, por exemplo, foram 106 perdas totais. O maior sinistro foi o do Costa Concórdia, que ainda está em aberto e já atingiu US$ 1,7 bilhão. E pode ficar mais caro porque o Costa Concórdia, navio de cruzeiros italiano que naufragou em janeiro de 2012 perto da ilha de Giglio, deverá ser removido apenas no próximo ano, gerando novos desembolsos do mercado segurador.
Segundo ela, o erro humano ainda é o principal motivo dos acidentes marítimos nos últimos anos, algo que tem relação direta com “a fadiga, pressões econômicas e treinamento inadequado”. E, olhando para o mercado mundial, o quadro é de preocupação. Os armadores se queixam da conjuntura adversa, já que as taxas de fretes permanecem abaixo das médias históricas, ao passo que os custos mantêm viés de forte alta, com destaque para os preços dos combustíveis.
Segundo armadores, a economia mundial prossegue desacelerada, mantendo o comércio mundial em marcha lenta. E, para piorar, a capacidade adicional do mercado navegação marítima aumenta, com a entrega de novos navios, acirrando a disputa e derrubando os preços. Em consequência disso, armadores dizem que sobra pouco dinheiro para a manutenção e treinamento adequados. Nenhum sinal de redução no desequilíbrio da indústria, já que, nos próximos anos, chegam ao mercado mundial mais navios contratados pelos estaleiros.
Para se ter uma ideia, a média de crescimento da frota mundial foi de 2,2% entre 1990 e 2004, ampliando-se 30% no período. Mas de 2004 a 2012, simplesmente dobrou. E pode ficar pior, com a entrega de supernavios, com o acúmulo de riscos para as seguradoras globais.
O descompasso entre prêmios e tamanho da frota mundial pode ser medido pelo número do chamado marine business. Em 2012, a receita de prêmios mundial foi de US$ 33,05 bilhões, apenas 4,9% a mais que em 2011, de US$ 31,9 bilhões. Grande parte do faturamento de marine business é relacionada a riscos de transportes (53%) e outros 26% envolvem a cobertura de cascos marítimos.
O seguro de Cascos Marítimos engloba coberturas às perdas e danos causados às embarcações de transportes de passageiros, de cargas, de recreio, reboques etc, em virtude de acidentes ocorridos não só durante sua operação, mas também nas fases de construção ou reparo. E estão cobertas Perdas Totais (por naufrágio ou outras causas); Assistência e Salvamento; Avaria Grossa (apenas para embarcações de transporte de cargas); Responsabilidade Civil por Abalroação; Avaria Particular (danos parciais); Remoção de Destroços, por exemplo. Tradicionalmente, há franquia nesta modalidade de seguro.
Os armadores também contratam seguro de responsabilidade civil nos chamados clubes de P&I. Os 13 clubes que, juntos, formam o Grupo Internacional de P&I Club fornecem cobertura de responsabilidade para cerca de 90% da tonelagem oceânica mundial. Cada clube retém os primeiros US$ 9 milhões em cada sinistro. Cada pool é parcialmente ressegurado por meio de uma empresa cativa chamada Hydra. Com isso, acima dos US$ 9 milhões retidos, tendo como limite US$ 30 milhões, a retenção é do próprio clube. Na faixa de perdas entre US$ 30 milhões até US$ 70 milhões, entra o resseguro da Hydra. À medida que os prejuízos avancem, as perdas são distribuídas no mercado mundial de resseguros, com teto de US$ 3 bilhões.
DIFERENÇAS. Há muitas diferenças entre as condições norueguesas, os chamados planos nórdicos, e os contratos brasileiros no seguro marítimo. Baseado no Norwegian Marine Insurance Plan de 1996, este plano está sujeito a revisões a cada três anos por um Standing Revision Committee (SRC).
O plano é dividido em quatro partes. A primeira contém regras comuns a todos os seguros contidos no plano; as outras partes apresentam regras específicas aplicadas às demais coberturas disponíveis . Para facilitar o entendimento, o plano norueguês está disponível para consultas em sites e em um livro com 158 páginas, em inglês. Há também comentários reunidos em 511 páginas para tornar clara a interpretação das normas, o que faz que haja poucas disputas entre segurados e seguradores.
O plano é considerado uma cobertura mais equilibrada do que as outras condições existentes. O objetivo final do plano nórdico é oferecer todos os seguros, exceto o de P&I, em um único, consistente e coordenado padrão.
O seguro, pelas regras nórdicas, tem os termos acordados entre as partes e opera, com raras exceções, em all risk. No modelo brasileiro, os riscos são nomeados e os termos são fixados pelo segurador.
No caso de franquias, os eventos envolvendo salvamento, ações relacionadas a Avarias Grossas ou para reduzir os custos das perdas, além das despesas para liquidação de claims e relacionadas a perda total, são isentos da participação do segurado no modelo nórdico. No modelo brasileiro, a franquia é aplicável em todos os casos acima, exceto por perda total. No modelo da Noruega, só duas situações estão previstas para o término automático do seguro, ao passo que as demais precisam ser informadas com 14 dias de antecedência. No modelo brasileiro, as situações de término automático são mais numerosas. Além disso, ao contrário das regras brasileiras, o armador poderá nomear seu próprio perito para ter uma segunda opinião do sinistro, com custo de contratação a cargo da seguradora.
O auditório da Escola ficou com as dependências lotadas,
demonstrando o interesse do tema
Fonte: CNseg