Consumidor de seguro precisará entender o que está comprando, alerta especialista


David Novloski (CVG-PR), Renato Campos Martins Filho (Funenseg), Angelica Carlini, Dilmo B. Moreira, Gloria Faria (AIDA), Eduardo Macedo (GBOEX), Adevaldo Calegari (CCS-SP) e Pedro Barbato Filho

Muito em breve, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), em vigor há 23 anos, passará por transformações, alterando profundamente as relações de consumo. As mudanças estão previstas em dois dos três Projetos de Lei do Senado Federal - o PLS 281, que dispõe sobre o comércio eletrônico e o PLS 283, que normatiza o superendividamento -, que ampliam os direitos dos consumidores. Como a atualização do CDC pode afetar o seguro?

Para responder a esta questão, o CVG-SP, presidido por Dilmo B. Moreira, convidou para o seu almoço no dia 20 de maio, no Terraço Itália, a advogada especialista em direito do consumidor e presidente da Associação Internacional de Direito de Seguro (AIDA Brasil), Angélica Carlini. Na ocasião, ela estava acompanhada da segunda vice-presidente da entidade, Gloria Faria.

A fase da judicialização

Na visão de Angélica Carlini, desde a sua criação, o CDC passou por três fases distintas: a da descrença de que fosse vingar; a da judicialização, com a intensa procura pelo meio judicial para resolver conflitos do consumo; e, no atual momento, a do diálogo, na qual os setores econômicos e os consumidores se deram conta de que o Judiciário não é capaz de resolver tudo. Mas foi por causa da fase de judicialização, que teve início em 2000 e desde então abarrotou o Judiciário, que o governo decidiu adotar algumas medidas.

Aliás, sobre a judicialização, Angélica Carlini fez questão de registrar que o problema não é o CDC brasileiro, que é reconhecido e elogiado em todo o mundo, mas a sua aplicação, que por ser principiológica exige do julgador profundo conhecimento de cada caso concreto. “Os juízes brasileiros têm tempo para conhecerem o caso concreto?”, questionou. A resposta da advogada é “não”. Em Campinas (SP), por exemplo, onde reside e leciona, ela calcula que cada um dos juízes das dez varas cíveis cuida de aproximadamente 10 mil processos. A situação se agrava, a seu ver, nos julgamentos sobre casos envolvendo o seguro, já que a matéria é complexa.

Uma das medidas do governo para reduzir a judicialização, segundo Angélica Carlini, foi fortalecer o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, por meio da criação da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), ligada diretamente ao Ministério da Justiça. A nova secretaria tem a função de informar ao Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec) todas as reclamações colhidas pelos 700 Procons do Brasil, quase que imediatamente.

Outra iniciativa do governo foi criar o Plano Nacional de Consumo e Cidadania (Plandec), que assumiu as reclamações referentes aos setores regulados, como telefonia celular móvel, TV a cabo, saúde, previdência privada e seguro. O objetivo, segundo Angélica Carlini, é criar políticas permanentes para diminuir e solucionar conflitos. Nesse contexto, ela destaca o dever de informar, um dos princípios do CDC que, a partir das atualizações, será somado ao dever de oportunizar a informação. “Significa criar um grupo de informações, simples e também sofisticadas, para atingir diversos públicos, em sites, por exemplo, de forma a provar que se oportunizou a informação ao cliente”, disse.


Angelica Carlini, Dilmo B. Moreira, Gloria Faria (AIDA)


A advogada afirmou que o país também está abraçando, atualmente, outro conceito, que tem origem no direito francês, que é o de aconselhamento da informação. “Esse conceito estabelece que, em alguns momentos, o fornecedor deve aconselhar o consumidor inclusive a não comprar”, disse. Mas, se todos esses deveres podem exigir mais criatividade do setor de seguros no cumprimento de informar, uma recente iniciativa do Plandec poderá tornar essa tarefa mais premente. Trata-se de um projeto enviado para o Congresso Nacional, em caráter de urgência, que prevê a expansão das atividades dos Procons.

Segundo Angélica Carlini, o Plandec detectou que por questões políticas muitas cidades não contavam com unidade do Procon e, por isso, decidiu autorizar parcerias com as prefeituras para a oferta desse serviço. Além dessa iniciativa, o projeto também estabelece maior poder aos Procons, que poderão intimar e multar e, ainda, obrigar o fornecedor a cumprir. “Se para não cumprir a obrigação de repor o produto defeituoso o fornecedor poderia optar até em arcar com a multa, agora, será obrigado pelo Procon a trocar e ainda a pagar multa, que poderá ser diária em caso descumprimento”, explicou.

No caso do setor de seguros, a advogada analisa que poderá haver impacto no serviço de reposição de peças de automóvel, que, às vezes, demoram mais de um mês. Outra novidade do projeto é que os acordos dos Procons passarão a valer como título executivo extrajudicial. “Se a lei for aprovada - e acho que será -, cada acordo valerá como cheque ou nota promissória que o consumidor poderá protestar em caso de não pagamento”, disse. Na avaliação da advogada, esta é uma questão que para as seguradoras poderá repercutir no compliance, controles internos e na participação em licitações.

Hora de mudanças

Angélica Carlini aconselhou o setor de seguros a não entrar em pânico. Porém, ressaltou que está chegando a hora H para o setor mudar seu relacionamento com o consumidor. “Precisamos criar caminhos para que o consumidor entenda ser membro de uma mutualidade. Fazer de uma forma tal que o consumidor passe a gostar de contratar seguro”, disse. Ela observou que outros segmentos, como o alimentício, já entenderam bem essa necessidade, tanto que, além de explicar detalhadamente a composição e os efeitos benéficos dos seus produtos, até criaram uma nova categoria, a dos alimentos funcionais.

Outro exemplo de boa forma de comunicação citada pela advogada é a praticada pela Sompo Japan Insurance Inc., da qual a Yasuda/Marítima brasileira é subsidiária, que adotou no Japão os quadrinhos, ou mangás, para explicar como funciona o seguro. “Temos de ser mais criativos para equacionar nossa relação com o consumidor” disse. Uma de suas sugestões é que os SACs e Ouvidorias das seguradoras façam mais do que apenas solucionar conflitos e também abram espaço para a interação com o consumidor, aceitando suas sugestões. A dica é válida, a seu ver, especialmente se for aprovado o Procon Web, proposto pela lei.

Segundo Angélica Carlini, não vai mais adiantar as seguradoras alegarem que o consumidor deveria ter lido o manual do segurado. “Ele tem de ler, mas precisamos criar outras maneiras para que ele queira ler”, explicou. Na visão da advogada, existem milhões de formas criativas de informar e interagir com o consumidor, como filmes, novelas, histórias em quadrinhos, games e até concursos.

Nenhum outro mercado, em sua opinião, tem mais condições de acentuar a cultura de proteção ao consumidor do que o de seguros. “Porque nenhum setor econômico conhece mais as tristezas, dores e mazelas humanas do que o nosso. Aliás, o que fazemos há mais de mil anos é reconstruir em parte a vida dessas pessoas e dizer que existe um amanhã. Portanto, não será difícil dar conta desses novos desafios”, concluiu.

Consumidor dependente

Na opinião do presidente do CVG-SP, Dilmo Bantim Moreira, o seguro possui benefícios ainda desconhecidos pela maior parte da população. Daí porque, transmitir essas informações e incentivar a disseminação da cultura do seguro, aumentará o conhecimento de sua utilidade e vantagens, reduzindo dúvidas e preconceitos, bem como incentivará a sua contratação de forma mais ampla na sociedade. Classificando a apresentação de “maravilhosa”, ele encaminhou perguntas dos participantes para a palestrante. O diretor executivo da Escola Nacional de Seguros (Funenseg), Renato Campos Martins Filho, comentou que o setor de seguros é cobrado em relação à assistência ao consumidor, porém, o próprio Estado não cumpre totalmente com a sua obrigação.

De acordo com Angélica Carlini, o Estado ainda carrega o DNA autoritário e com o seu paternalismo criou uma geração de consumidores dependentes. “Infelizmente, inclusive alguns representantes da defesa agem assim, com essa carga ideológica que não produz nenhum benefício ao consumidor e ainda traz um ônus enorme para a empresa, que sofre com multas demais”, disse.

Fonte: Segs