Gestão da segurança viária: algumas lacunas ainda a serem preenchidas

Em pleno período em que a proclamada Década Mundial de Ações para a Segurança Viária (2011-2020) chega a sua metade; período este marcado pela realização da 2ª Conferência Global de Alto Nível em Segurança no Trânsito em solo brasileiro, uma dúvida instigante ainda resta: até 2020, o Brasil irá conseguir reduzir o número de mortes no trânsito a ponto de atingir a meta fixada em 2011?

A tímida e recente tendência de redução nos números brasileiros, ainda que mantida, não será suficiente para que o país atinja a meta. É necessário, portanto, acelerar este processo.

Com o objetivo de contribuir neste sentido, os profissionais envolvidos e debruçados na questão da segurança no trânsito têm se concentrado no acompanhamento e análise dos números de mortes no trânsito (e todos os indicadores correlatos) por ser esta uma informação mais próxima da realidade.

A morte no trânsito, apesar de ser a mais indesejável das consequências, quando evitada, ainda assim pode representar a existência de uma série de impactos de ordem material e imaterial. Isso nos leva à conclusão de que não basta nos restringirmos ao acompanhamento do número de mortes no trânsito, pois ele é apenas um de muitos indicadores que podem ser utilizados em investigações no âmbito da segurança viária.

A meta da Organização das Nações Unidas é clara: reduzir pela metade o número de mortes no trânsito até 2020. Também claros são os pilares de atuação sugeridos para os países: gestão da segurança viária, vias e mobilidade mais seguras, veículos mais seguros, usuários mais seguros e atendimento às vítimas. A Declaração de Brasília – documento final gerado na 2a Conferência Global de Alto Nível em Segurança no Trânsito – especifica ainda a necessidade de aprimorar a qualidade da coleta sistemática e consolidada de dados sobre mortes, lesões e fatores de risco no trânsito, com o objetivo de produzir informações comparáveis.

Em consonância com esta ideia, a meta de reduzir o número de mortes não deve estar restrita à meta em si, mas sim ser acompanhada de uma série de “submetas” envolvendo todos os pilares preconizados pela Organização Mundial da Saúde. Através desse conjunto de metas que surgirão as ações direcionadas para todas as etapas de um acidente de trânsito, seja para reduzir suas chances de ocorrência, quanto para reduzir a possibilidade de traumatismos graves ou fatais.

Este controle que deve existir entre “meta” e “ação para a meta” passa certamente pela gestão dos chamados “indicadores de desempenho da segurança” (ou Safety Performance Indicators).

Os indicadores de desempenho da segurança são parâmetros que refletem as condições operacionais ou de infraestrutura de um sistema viário, assim como aspectos relacionados à qualidade do atendimento médico hospitalar recebido pelas vítimas. De um modo geral, um indicador de desempenho da segurança pode ser qualquer parâmetro cuja variação afete o número de acidentes ou mortes no trânsito. A ideia de utilizar indicadores está relacionada a uma abordagem PREVENTIVA, de modo que deseja-se evitar as consequências de um acidente por meio da atuação sobre os comportamentos/características que levam a estes acidentes.

Exemplos de indicadores relevantes podem ser: % de uso de álcool ao volante, % de uso do celular ao volante, % de uso do cinto, % de uso do capacete, condições das vias, tempo de chegada do resgate, características da frota (% de veículos com airbag, abs, etc.). Atuando positivamente nestes indicadores, certamente haverá resultado benéfico sobre o “indicador-alvo” – o número de mortes no trânsito.

Estes indicadores devem  possuir um nível estadual de desagregação, possibilitando a análise e o planejamento de ações “sob medida” para as realidades contrastantes dos estados brasileiros.

O caminho para uma base de dados mais uniforme passa inevitavelmente pela criação de um boletim de ocorrência de acidente de trânsito universal, o qual pode até diferir nos estados ou nas instituições específicas responsáveis pelos registros, porém devem conter certo número de campos básicos, os quais devem ter um padrão de norte a sul do país.

O bom senso e a vontade de aumentar o nível de segurança nos dizem que certas ações, medidas e iniciativas que vem sendo implementadas, seja nacionalmente ou isoladamente em alguns municípios mais pioneiros, devem ser benéficas. O Observatório, por meio do desenvolvimento da plataforma SOMA – Sistema de Observação, Monitoramento e Ação, um ambiente que congrega informações de diferentes fontes e naturezas, em nível municipal, é certamente uma valiosa contribuição para este processo. Porém, apenas com a consolidação de um verdadeiro e amplo processo de gestão das informações relacionadas à segurança viária é que poderemos quantificar devidamente os resultados de muitos esforços e planejar com maior garantia de sucesso novas intervenções para salvar vidas no trânsito.

Jorge Tiago Bastos é colaborador do OBSERVATÓRIO

Fonte: ONSV - Observatório Nacional de Segurança Viária