Um a cada quatro municípios está infestado pelo Aedes aegypti em SC

O número de municípios infestados pelo Aedes aegypti não para de subir em Santa Catarina. Ontem, Irati e Riqueza, situadas no Oeste, passaram a fazer parte da lista, que já soma 69 cidades, um recorde do Estado. Praticamente um em cada quatro municípios sofre com focos do inseto, transmissor de dengue, zika vírus e chikungunya. A situação atinge principalmente o Oeste e o Litoral.

Quando começaram a aparecer as infestações, em 2013, eram apenas três municípios. Agora, com a marca de 69, cresceu 23 vezes. Chapecó, Pinhalzinho e São Miguel do Oeste, todos no Oeste, foram os primeiros infestados e chegam ao sexto ano na mesma condição. Mas não são só essas cidades que enfrentam dificuldades para sair da lista. Nos últimos cinco anos, apenas três conseguiram reverter a situação.

Para os municípios há mais tempo infestados, a grande dificuldade está na conscientização da população. Em São Miguel do Oeste são 308 focos do mosquito espalhados pelo município e um caso de chikungunya contraído na cidade. O Programa de Combate à Dengue conta com 22 profissionais, mas ainda enfrenta desafios:

— Por mais que se faça o trabalho, se a população não pegar junto com os agentes, não vamos eliminar os focos — justifica Célio Silva, coordenador do programa na cidade. 

Ele cita que o município chegou a criar um decreto para que, em casos de resistência para entrada dos agentes, seja autorizada a entrada forçada com a presença da polícia. Até agora não precisaram usar o recurso. No primeiro ciclo de visitas a imóveis deste ano, atingiram 90% de cobertura nas cerca de 19,3 mil unidades que devem ser vistoriadas bimestralmente.

A 130 quilômetros dali, em Chapecó, toda a área urbana está infestada. E nos primeiros três meses deste ano a cidade superou o total de focos do ano passado inteiro. São 656 e uma equipe de 96 agentes de combate a endemias. 

— A gente faz o trabalho e, mesmo assim, não consegue reverter. Acho que dificilmente a gente consiga — diz o coordenador da Vigilância Ambiental de Chapecó, Douglas Fritzen.

Apesar de reforçar que o maior problema está na conscientização das pessoas, o município não tem cumprido a orientação de vistoriar todos os imóveis na áreas infestadas a cada dois meses. Até 10 de abril deste ano, os agentes atingiram uma cobertura de 88,4% dos 92,7 mil imóveis, mas ainda estão no primeiro ciclo de visitas bimestrais do ano, ou seja, com praticamente um mês e meio de atraso. 

Fritzen diz que podem cumprir o ciclo em três meses, desde que superem 80% de vistorias, mas a Diretoria de Vigilância Epidemiológica de SC (Dive) afirma que essa não é a orientação. 

Em Pinhalzinho, cidade que teve maior número de casos de dengue do Estado – 2.453 em 2016 – tem hoje 42 focos e nenhum paciente com a doença. Mas está a cerca de 25 quilômetros de Cunha Porã, que teve os dois casos de febre chikungunya neste ano. São 8,7 mil imóveis para vistoriar, mas cerca de 30% acabam sobrando para mutirões, já que não há ninguém em casa na hora da visita.

— Não adianta só vistoriar 99%, pois a casa que faltou pode fornecer mosquito ao bairro todo — diz o secretário municipal de Saúde, Elmo Zanchet.

Apesar de ainda ter poucos casos da doença neste ano – sete de dengue e três de chikungunya contraídos no Estado – a quantidade de focos do mosquito preocupa, já que aumenta o risco de transmissão das doenças. Por exemplo, se alguém vier a Santa Catarina com a doença e for picado pelo Aedes, que existe em excesso no Estado, o ciclo de transmissão começa.

— A gente tem grande circulação de pessoas de Estados onde há casos das doenças. Com o aumento dos focos, a chance de epidemias, surtos ou casos isolados das doenças aumenta — defende a médica infectologista e mestre em Medicina Tropical, Regina Valim. 

Para Regina, a mudança desse cenário passa principalmente pela conscientização da população, que precisa eliminar recipientes com água e manter o terreno limpo. Ela lembra que, em condições favoráveis, os ovos do mosquito podem sobreviver até um ano. Por isso, a prevenção é fundamental mesmo no inverno.

Recursos específicos para combate estão descartados

Para o coordenador estadual do Programa de Controle da Dengue da Dive, João Fuck, vários fatores contribuíram para o aumento no número de cidades infestadas. Os principais são troca de gestão municipal com descontinuidade da prevenção; calor e muita chuva; e falta de prevenção por parte da população.

— Se as atividades não são bem estruturadas em relação à vigilância, o mosquito entra no município. Quando não são desencadeadas ações precocemente, o que vem acontecendo na maioria dos municípios, o mosquito encontra condições necessárias para se reproduzir, aumentando a infestação — afirma o diretor.

Sobre as ações de prevenção, Fuck garante que a Dive e as gerências regionais de saúde acompanham a situação, mas admite que em relação às vistorias dos imóveis está mais complicado monitorar, já que cada município começa o ciclo de visitas em determinado momento. 

O coordenador também diz que, quando a cidade torna-se infestada, a tendência é que precise contratar mais pessoas para dar conta das vistorias bimestrais. Apesar de o Ministério da Saúde bancar os agentes de combate a endemias nos municípios, faltam recursos. Em 2016, o governo federal repassou R$ 1,7 milhão para as 295 cidades de SC promoverem ações de combate ao inseto, além de aporte do governo estadual de R$ 3,7 milhões a 66 municípios com infestação ou risco. Em 2017, Brasília enviou R$ 3,2 milhões. Neste ano, não há previsão. 

— Os municípios estão numa situação complicada com a crise. Qualquer recurso específico para essa área ajuda — reforça o presidente do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde, Sidnei Bellé.

Ações constantes são fundamentais

Caçador, assim como Guatambu e Santa Amaro da Imperatriz, é um dos poucos municípios que conseguiram sair do estado de infestação. O município teve focos espalhados em diversos bairros em 2016 e reforçou as ações. Agentes recolheram todos os pneus em residências e comércios, realizaram as visitas nas áreas infestadas e fizeram mutirões. Detectaram que o cemitério acumulava boa parte dos focos e, por isso, foi publicado um decreto autorizando a retirada de vasos e recipientes no local, iniciativa mantida até hoje. 

Depois de um ano de infestação, o município conseguiu sair da situação. Mas como as demais cidades, ainda precisam fiscalizar armadilhas e pontos como cemitério e postos de combustíveis. 

— Esse é um serviço permanente, com rotina toda traçada, por isso é um trabalho que dá certo — reforça a coordenadora do programa de combate e, Caçador, Isolete Farias. 

Ações constantes também são a aposta de Santiago do Sul, no Oeste, para evitar o mosquito. Com cerca de 1,3 mil habitantes, o pequeno município está cercado por cidades infestadas. Com orientações dos agentes comunitários de saúde e das escolas, o município tem conseguido evitar os focos. Em fevereiro, a cidade implementou a coleta seletiva de lixo, porque considera os recipientes descartados um risco à infestação.

— Cada um fazendo a sua parte a gente vai conseguir evitar o problema, mas tem que ser feita uma orientação contínua — reforça a secretária de Saúde, Lilian Blanger.

A proximidade de municípios infestados também era uma preocupação em Penha. Perto de Itajaí, Navegantes e Balneário Camboriú, a cidade entrou na lista de infestados no final de março, como Bom Jesus do Oeste. Com 44 focos, a equipe planeja fazer um trabalho junto às escolas e já começou as vistorias nas áreas críticas. Mas o responsável pelo programa em Penha, Alexandre Deolindo, admite que é complexo reverter a situação:

— A gente trabalha sempre esperando que aconteça esse cenário de hoje. A população de Penha vai muito a esses municípios vizinhos que estão infestados. Então depende muito dessas cidades também.

Como se classifica a infestação

Baseado em manual do Ministério da Saúde, o Estado criou um critério para Santa Catarina. Os municípios, antes da infestação, precisam manter ações de vigilância em armadilhas para o mosquito e em pontos estratégicos, como borracharias e ferro-velho. Quando é detectado um foco, a equipe do município precisa visitar todos os imóveis daquela área para verificar outros focos e eliminar recipientes. Caso tenha mais focos, é considerado que há disseminação do mosquito. Depois de dois meses, em nova vistoria na área, caso sejam encontrados focos, aquela área é considerada infestada. Ou seja, apesar de dizer que o município está infestado, na verdade são algumas áreas que estão nessa situação. Para deixar a lista, o município precisa realizar quatro ciclos de visitas, ou oito meses, sem encontrar focos.

Fonte: Jornal de Santa Catarina | NSC Santa