Carlos Alberto de Paula deixa FenaPrevi e quer contribuir com educação de jovens e empreendedorismo feminino

Depois de pouco mais de dois anos como diretor da Federação Nacional das Empresas de Previdência Aberta (FenaPrevi) e 37 anos de trabalho, dos quais 27 dedicados ao ambiente securitário e previdenciário, Carlos Alberto de Paula segue para um período sabático. “Acredito que a experiência das últimas quatro décadas poderá ser útil em outros espaços, sobretudo em setores voltados para educação de jovens e empreendedorismo feminino.

Recebi muito da sociedade e sinto que é hora de retribuir de forma mais abrangente de modo a estimular e, se possível, inspirar as próximas gerações”, disse ele ao blog Sonho Seguro. Leia a entrevista completa abaixo:

Como vê o futuro da previdência complementar, aberta e fechada?

Os sistemas de proteção social constituem um desafio para todas as nações, desenvolvidas ou em desenvolvimento, e, quanto ao Brasil, não poderia ser diferente. Sempre houve muita discussão em relação à evolução dos dois sistemas.

Entretanto, acredito que, no nosso caso, precisamos acelerar o processo, sobretudo no que diz respeito a uma melhor articulação do Estado com a sociedade civil. Essa é uma agenda que deve compreender a proteção daquilo que foi acumulado até aqui, isto é, o estoque, por meio da estabilidade de regras e segurança jurídica, e o oferecimento de um ambiente mais favorável ao desenvolvimento dos negócios. A despeito da condição socioeconômica, estou certo de que há muito espaço para crescimento, em vários segmentos e, particularmente quando se trata de vida e previdência, precisamos dar maior tração para essa agenda.

A população envelhece rapidamente e não resta dúvida entre os especialistas e executivos de que o Regime Geral, embora seja uma referência inclusive junto à comunidade internacional, não conseguirá se manter com base no atual modelo.

Não fizemos o grande ajuste nos anos 80, que foi a década mais propícia para realização da transição do sistema de repartição para o capitalizado. A questão é que fatores políticos acabaram retardando as decisões estruturais e ao longo do tempo os ajustes têm sido muito pontuais. Essa leitura vale inclusive para a última reforma. Acredito que por aqui estejamos caminhando rapidamente para um quadro mais agudo e precisaremos de uma articulação mais consistente por parte do Estado Brasileiro.

Nesse sentido, tanto a previdência aberta quanto a fechada se apresentam como partes importantes da solução com vistas a inibir um eventual colapso do sistema nas próximas duas décadas. Embora tecnicamente a reflexão não seja novidade, como mencionei, é um tema indigesto sob o ponto de vista político e, por isso, ficamos presos numa armadilha. É preciso desatar esse nó.

Estritamente em relação aos dois sistemas, precisamos de maior sinergia entre os reguladores, CNSP e CNPC, e entre os supervisores, SUSEP e PREVIC. O marco regulatório, que já completou 20 anos, promoveu condições gerais para um bom avanço do setor em relação às décadas anteriores. No entanto, nos últimos 10 anos houve uma significativa mudança de cenário, sobretudo em relação ao mercado de trabalho. É importante que o Estado tenha clareza acerca das dores que os operadores enfrentam, de lado a lado, e que promova ações no sentido de viabilizar uma maior interação entre as entidades (Susep e Previc) de modo a atender às novas demandas da sociedade. Vale lembrar que nesse processo a “joia da coroa” é o cidadão e porque não dizer também o empregador.

Por exemplo, hoje, por incrível que possa parecer, é absolutamente impossível a realização de uma simples transferência de gerenciamento de um plano ocupacional fechado para um aberto e vice-versa. Outra situação, apenas para ficarmos na base da discussão, diz respeito ao fomento do setor. O Estado e os operadores sabem que a próxima onda de crescimento da previdência privada passa, inexoravelmente, pelos planos de médio e pequeno portes. Essa questão ainda é tratada como se estivéssemos no século XX. Basta olhar para a atuação da comunidade internacional, nos sistemas de referência, para alavancarmos a indústria e aumentarmos a cobertura e a proteção dos cidadãos.

Esses apontamentos têm a ver com o cerne da discussão sobre a evolução da política pública em relação aos setores e certamente vão ao encontro da provável redução do teto do Regime Geral, que ocorrerá nos próximos 20 anos. Boa parte da sociedade sequer tem clareza disso, sobretudo por conta da baixa penetração da educação financeira.

Você vê a tendência “ESG” se consolidar neste segmento que administra mais de R$ 2 trilhões no Brasil?

Os recados enviados por alguns agentes importantes, como por exemplo a BlackRock, por meio da Carta Anual aos CEOs 2022, demonstram o engajamento do mercado de capitais nessa pauta. será preciso avançar, sem dúvida.

Os dois setores, fundos de pensão e seguradoras estão dando os primeiros passos nessa nova agenda. Entendo que a exemplo do que vem fazendo a Previc e recentemente a Susep, haverá uma forte dose de recomendações por parte dos atores da Administração Pública, provavelmente alinhada no âmbito do COREMEC, comitê que congrega os quatro supervisores, BCB, CVM, SUSEP e PREVIC.

Acredito que o próximo passo seja a edição de normas indutoras de comportamento em que a adoção de determinadas medidas pelos supervisionados propiciem benefícios nas questões relacionadas à fiscalização. Esse é um caminho sem volta e os nossos segmentos têm uma importante contribuição a oferecer para a humanidade.

As seguradoras já avançaram muito em despertar no brasileiro a preocupação de garantir renda para o futuro. Quais foram as principais mudanças de dentro para fora em sua opinião?

Sou participante de um fundo de pensão desde 1988 e de planos abertos desde 2003, portanto, muito cedo passei a ter contato com essa pauta. Entretanto, lembro que quando comecei a atuar na área comercial, a partir de 1992, havia muita desconfiança em função de agendas mal-sucedidas no passado, muito desconhecimento sobre as estruturas e uma forte confusão entre o pilar público e o privado. Amadurecemos com a sociedade.

Hoje, posso dizer que a evolução normativa e dos processos e a própria educação financeira foram fatores importantes para promoção de alguma mudança na postura de parcela da sociedade. A questão é que a transição demográfica segue numa velocidade significativa. É como se tratássemos um paciente com pressão alta, se eu puder me apropriar da linguagem médica. Trata-se de uma agenda silenciosa e que carece de ações assertivas para que possamos amenizar o custo social dos programas de proteção. Essa conta, de certa forma, voltará para toda a sociedade, se negligenciada.

Nesse contexto, as seguradoras e os fundos de pensão têm oferecido uma importante contribuição. Começamos a reconhecer um número interessante de pessoas que recebem benefícios das entidades, sobretudo dos planos ocupacionais. Esse é um fato que em si demonstra que essa relação de 30, 40 ou 50 anos tem funcionado com algum sucesso no Brasil, embora ainda não tenhamos um mercado de anuidades estruturado; a propósito sobre esse ponto a SUSEP recebeu uma contribuição do mercado (ciclo de rendas) e, de acordo com informações, essa deverá ser a próxima novidade para as indústrias. Por fim, vale destacar a figura dos resseguradores. A lei complementar 126/07, inaugurou um ciclo importante diante da abertura do mercado de resseguros e o segmento local poderá ter um papel relevante para o desenvolvimento do mercado de anuidades no Brasil.

Acha que o crescimento do setor agora está refém apenas do crescimento da economia?

O crescimento da economia é um item fundamental e abarca outras questões como, por exemplo, em que tipo de sociedade queremos viver e o que ofereceremos para as próximas gerações à luz do Artigo 5º da Constituição Federal e correlatos. Há questões políticas estruturais que extrapolam em muito o nosso ecossistema. Diante disso, até que as estrelas se alinhem, precisaremos continuar fazendo a nossa parte.

Estamos saindo da maior crise sanitária da história; um pouco antes disso passamos por sérias turbulências políticas; e, por enquanto, ainda não temos clareza de quais serão os desdobramentos, inclusive econômicos, em função dos acontecimentos que envolvem nações como Ucrânia e Rússia.

Outro ponto a ser destacado é que, quando observamos a história, constatamos que as nações desenvolvidas enriqueceram e depois envelheceram; portanto, conseguiram buscar formas para amenizar os impactos da transição demográfica. Parece não ser o nosso caso e esse é um desafio adicional.

Diante disso, do que pude experienciar desde a década de 1980 no Brasil, acredito que, a despeito da conjuntura, precisamos continuar avançando com aperfeiçoamento da visão e da estratégia em relação a essa agenda. O processo de envelhecimento não aguardará o mundo perfeito e todo avanço será determinante nesse caso.

Acredita que a pandemia ajudou a solidificar a importância da poupança de longo prazo no Brasil?

Sim, acredito que esse evento sem precedentes ajudou a demonstrar como as linhas gerais da política de proteção social desenvolvida em nosso país tem sido assertiva. Entre as indústrias, considerando inclusive seguros de pessoas, foram mais de 200 mil eventos decorrentes exclusivamente de Covid-19. Nessa circunstância, os setores atenderam aos familiares por meio das indenizações e do pagamento de rendas. A resposta foi célere; o processo de regulação de sinistros, por exemplo, considerando o tempo entre a comunicação do evento e a efetivação do pagamento, girou em torno de até 40 dias. Também tivemos um ponto alto, particularmente em relação aos planos abertos; aqui, refiro-me às solicitações de resgates parciais. Por meio desse instituto, milhares de pessoas obtiveram algum socorro financeiro, além da forte injeção de recursos na economia. Falamos de algo que se aproxima de R$ 90 bilhões em resgates parciais considerando apenas os anos de 2020 e 2021, além dos valores das indenizações. Nesse sentido, estou convicto de que esse processo contribuiu para a conscientização de parte da sociedade.

Em sua opinião, o que precisa ser feito para tornar a previdência um tema mais informal para a sociedade?

A intensificação da educação financeira é o ponto chave. Na minha avaliação, os esforços realizados até aqui são louváveis, no âmbito do FBEF, mas ainda estão muito aquém da necessidade da população. O Poder Executivo deveria assumir o protagonismo dessa agenda e trazer com ele a sociedade civil. Basicamente os agentes do sistema se encontram em datas comemorativas, como por exemplo, a Global Money Week. No Brasil, a despeito da condição econômica da população, estou certo de que um número bem maior de famílias estariam protegidas em função dos impactos da Covid-19, da tragédia de Brumadinho ou do recente desastre em Petrópolis, caso houvesse um trabalho de educação mais amplo de modo a efetivamente alcançar outras camadas da população. Os jovens e os trabalhadores precisam ser alertados de forma mais incisiva e adequada sobre as oportunidades e os riscos que envolvem o ciclo da vida.

No Congresso Nacional, por exemplo, há quase um total desconhecimento desse tema fundamental para a sociedade. São agendas visitadas apenas em época de eleição ou em função de projetos de última hora decorrentes de certas conjunturas. A educação financeira deve também alcançar o Parlamento, pois lá estão os representantes do povo e dos estados.

Acredito que, se houver vontade política e forte atuação da sociedade civil, poderemos amenizar os impactos para uma parte da geração X e para boa parte da geração Y em relação às próximas décadas.

Finalmente, vale ressaltar que as médias e pequenas empresas são responsáveis pela geração da maioria dos empregos formais e aí pode estar a maior oportunidade de crescimento. Em relação aos produtos previdenciários (PGBL e Planos Fechados), por exemplo, uma ação estratégica que poderá destravar a agenda será permitir que participantes e empresas possam deduzir as contribuições para previdência privada das suas respectivas bases de cálculo, a despeito do tipo de declaração ou regime tributário. Esse é um movimento que fará toda diferença para o ingresso de milhões de brasileiros nos dois sistemas. Essa é uma pauta que não pode parar na tecnocracia, se quisermos avançar.

Em novembro de 2019, quando assumiu a diretoria da FenaPrevi, quais foram seus principais desafios?

Em primeiro lugar, foi uma honra encerrar esse ciclo de três décadas interagindo com os executivos da FenaPrevi. Assumimos a diretoria num contexto de reposicionamento da Federação. Várias ações foram iniciadas, como por exemplo a revisão da estrutura de governança de modo que os executivos pudessem ter uma atuação mais voltada para o ambiente estratégico. Na esteira dessa visão, procuramos intensificar os relacionamentos com os stakeholders, dentre eles Susep, Previc, Subsecretaria de Previdência Complementar e Secretaria de Política Econômica. Firmamos algumas parcerias e posso destacar o importante convênio de cooperação técnica assinado com a Abrapp; esse foi um casamento de gigantes. Também firmamos convênio com o instituto ILMA; e o convênio com o IBA foi uma outra ação estratégica em que compartilhamos pelo menos 120 anos de conhecimento técnico entre as duas entidades. Ainda, contratamos o professor Marcelo Neri, que realizou uma profunda pesquisa sobre o potencial de mercado para o setor. Ou seja, em outras palavras, além dos ajustes estruturais que estão em curso, estendemos os braços institucionais e com isso a Federação ganhou maior musculatura. Essas agendas deverão florescer a seu tempo nos próximos períodos como resultante da adequada visão da direção da Federação e de muito trabalho em equipe, tanto do corpo interno como das comissões técnicas e dos grupos de trabalho.

Um ponto importante para equilibrar as contas do Brasil é atrair os jovens para a previdência. Em sua experiência, qual a fórmula para obter este sonho?

Falamos um pouco sobre isso numa das perguntas anteriores, mas gostaria aqui de destacar um dos mais importantes programas de educação promovidos pela FenaPrevi, na gestão do Presidente Nasser. O “Vem de ZAP”. Esse é um programa inédito que poderá ser utilizado por professores como material extracurricular, pelos pais junto aos filhos, pelas áreas de RH das empresas e pelas próprias seguradoras por se tratar de um programa sem bandeira, portanto de utilidade pública, transversal e impactante. O “Vem de ZAP” decorre de uma profícua parceria firmada com a Escola Nacional de Seguros. Quando levamos a ideia para a Direção da ENS o projeto foi imediatamente absorvido e começamos um trabalho a quatro mãos entre as equipes técnicas. O projeto encerra exatamente essa visão de buscar proximidade com o público jovem falando o seu idioma. Tenho esperança de que as instituições acessem o material no site da Federação.

E qual o seu sonho para o Brasil?

Pergunta desafiadora! Muito cedo, por razões peculiares, aprendi a necessariamente ter uma perspectiva positiva diante de desafios pessoais ou profissionais. Aprendi também com os meus líderes e pessoas que continuam me apoiando, e porque não dizer orientando, a ser como a água, sempre buscando os espaços disponíveis para atingir os objetivos, sem perder a essência.

Sonho com um Brasil onde as pessoas possam viver com dignidade e que a cidadania seja exercida na sua plenitude a despeito de qualquer outro fator. Tive a oportunidade de passar por 22 países, em boa parte deles, a trabalho. Conheci cidades como Moscou, Paris, Filadelfia, Johanesburgo, Rabatt, Madri, Santo Domingo, Montevidéu, Acra, Luanda, Praia, Basileia, etc. Foi uma experiência profissional muito rica e em cada viagem fiquei mais preocupado com o tamanho da minha ignorância acerca do mundo de oportunidades à disposição da humanidade. Por outro lado, não encontrei um país com o potencial do Brasil, esse país fantástico e de dimensão continental. Espero que acordemos como sociedade para esse fato. Até lá cada um deve continuar fazendo sua parte para a promoção de um país melhor e mais justo socialmente.

Você chegou aos 53 anos. Mas é cedo demais para se aposentar. Quais são os seus planos para o futuro?

Entre os previdencialistas já incorporamos a ideia de que os sistemas privados de previdência nos ajudarão a obter algum grau de independência financeira para escolhermos que tipo de atividade desejaremos abraçar em outras fases da vida. No meu caso, após 45 anos de trabalho sou grato por esses intensos 30 anos vividos nas indústrias (seguros, previdência aberta e fechada e resseguros) e no Governo Federal ( SPC, PREVIC e SUSEP). Fiz o melhor que pude.

Agora, desejo ser o senhor do meu tempo por um período. Vou para um sabático em 2022 e aproveitar essa fase para estudar temas novos e visitar algumas instituições pelo Brasil. Acredito que a experiência das últimas quatro décadas poderá ser útil em outros espaços, sobretudo em setores voltados para educação de jovens e empreendedorismo feminino. Recebi muito da sociedade e sinto que é hora de retribuir de forma mais abrangente de modo a estimular e, se possível, inspirar as próximas gerações.

Fonte: Sonho Seguro | SindsegRS