Revista de Seguros: Planejamento financeiro e proteção da renda entram no foco de famílias

A pandemia do coronavírus está se revelando um “divisor de águas” na interpretação cultural do brasileiro quanto à necessidade de proteção financeira. A população começa a ter mais consciência da importância de proteger a renda e o patrimônio da família com produtos de seguros ou plano de previdência. Herança de um longo processo inflacionário (por cerca de meio século o País teve nove moedas diferentes), a dificuldade de pensar no futuro e controlar o orçamento pessoal e o doméstico começa a dar lugar à preocupação com o planejamento financeiro.

O crescimento de 13,1% no volume de prêmios diretos de seguros de pessoas registrado em 2022 (R$ 57,9 bilhões) é uma forte sinalização nesse sentido, analisa Hilca Matos, vice-presidente da Comissão de Produtos de Risco da FenaPrevi.

“Especialmente porque começamos a ver a desburocratização da proteção principalmente do seguro de vida individual, que cresceu 23%. O desempenho do produto mostra maior conscientização da necessidade de proteção por parte do indivíduo”, avalia a executiva.

Pesquisa recente divulgada pela Febraban também corrobora a tese de preocupação do brasileiro com o controle do orçamento financeiro. De acordo com a 13ª edição do Observatório Febraban – Pesquisa Febraban-Ipespe em 2023, mais da metade dos brasileiros presume que estarão menos endividados ao longo deste ano e boa parte deles avalia que sua situação financeira já está se recuperando. O estudo ouviu três mil pessoas nas cinco regiões do País no fim do ano passado.

Ritmo de Expansão

Segundo Luiz Fernando Castelli, gerente de Assuntos Econômicos da Febraban, depois de três anos seguidos de expressivo crescimento na concessão de crédito para famílias e empresas, o ritmo de expansão anual da carteira de crédito deverá voltar, neste ano, ao nível de crescimento de 8%.

Na sua avaliação, o nível de crédito para famílias, principalmente as linhas de consumo, como cartão de crédito e crédito consignado, deve voltar aos níveis registrados antes da pandemia. “Vínhamos de um ritmo de 17% de crescimento ao ano e devemos baixar para uma taxa inferior a 10%”, informa.

Em contrapartida, o executivo avalia que os índices de inadimplência também devem cair ao longo de 2023. “A previsão é que, com a melhora nos índices de inflação e a redução nas taxas de juros a partir do segundo trimestre, a inadimplência volte aos patamares anteriores aos da pandemia”, afirma.

A pesquisa Observatório Febraban já havia identificado essa tendência. Pelo estudo, a expectativa positiva sobre a recuperação das finanças pessoais se reflete na projeção do endividamento: mais da metade dos entrevistados (56%) acredita que estará menos endividada em 2023 do que em 2022.

Segundo a pesquisa, essa percepção é mais comum na faixa de 18 a 24 anos (64%) e menos frequente entre os que têm 60 anos ou mais (49%). Para 28%, o endividamento permanecerá o mesmo, 11% temem estar mais endividados e 5% não souberam responder.

Inadimplência

De fato, essa redução já vem ocorrendo. Depois de 11 meses seguidos de alta, o Brasil finalmente registrou queda no número de inadimplentes em dezembro passado. De acordo com os dados do Mapa da Inadimplência e Renegociação de Dívidas do Serasa, 69,4 milhões de brasileiros estavam inadimplentes no último mês de 2022.

Embora ainda considerado elevado, o número representa uma queda de 430 mil pessoas em relação ao registrado em novembro (69,83 milhões). O valor de todas as dívidas juntas ultrapassou R$ 312 bilhões em dezembro, o que, numa simulação livre, é como se cada um dos inadimplentes estivesse devendo R$ 4.495,67.

De acordo com dados do Serasa, o cartão de crédito continua sendo o maior responsável pelas dívidas não pagas (28,7%), seguido pelas contas básicas (22,25%) e pelo varejo (11,47%). Ainda reforçando a tendência de melhoria da saúde financeira da população, a renegociação das dívidas é apontada pela entidade como um dos principais fatores para a diminuição do número de inadimplentes.

Dentro do programa Feirão Limpa Nome, foram realizados, no último bimestre do ano passado, 8,4 milhões de acordos, o que foi classificado como “o maior número de negociações da história da Serasa”. As mulheres foram as que mais renegociaram suas dívidas no fim do ano.

Seguro Prestamista

O seguro prestamista é um instrumento que vem sendo utilizado para afastar o risco da inadimplência e também sinaliza a preocupação do consumidor com o controle das finanças, argumenta a vice-presidente da Comissão de Produtos de Risco da FenaPrevi.

Forte aliado da educação financeira, o produto destinado a assegurar o cumprimento de obrigação de pagamento vem se expandindo no mercado brasileiro. Somente no ano passado, o crescimento no montante de prêmios foi de 7,12% — R$ 16,7 milhões de janeiro a dezembro de 2022 contra R$ 15,6 milhões em igual período de 2021.

“Um dos maiores medos das pessoas é o de não conseguir honrar o pagamento das parcelas de suas compras. E, embora estejamos bem abaixo dos números observados nos mercados de seguros de países equivalentes ao Brasil em participação no PIB, podemos observar uma valorização importante do seguro prestamista no País”, afirma Hilca Matos.

Ela lembra que em um período de perda de renda e de entes queridos, como ocorreu na pandemia, o seguro passa a ser considerado fundamental para composição de um bom planejamento financeiro familiar. “À medida que a conjuntura for melhorando do ponto de vista econômico, mais pessoas vão aderir a esse tipo de proteção financeira”, estima.

Professor e coordenador das Graduações em Administração e Gestão de Seguros da Escola Superior Nacional de Seguros (ENS), José Varanda argumenta que o produto — uma solução para a quitação de dívidas com instituições financeiras — não se aplica apenas aos casos de morte ou invalidez do segurado.

“O produto pode ser usado também para empréstimos pessoais e consignados, prestações de consórcios, dívidas de cartões de crédito, crédito estudantil, cobertura de cheque especial ou de carnês não saldados de crediários e outros tipos de financiamento que envolvam crédito financeiro.”

Ele também considera que os seguros do grupamento de pessoas, aí incluído o seguro prestamista, deverão continuar a crescer, principalmente em razão do alto nível de inadimplência e da consequente necessidade de as empresas terem garantia de retorno dos valores financiados, nos casos de ocorrência dos eventos cobertos pelo seguro.

Varanda e Hilca compartilham a opinião de que o produto já vem tendo sua contratação ampliada. “A contratação desse tipo de seguro permite ao segurado ter uma certa tranquilidade de que não ficará inadimplente, principalmente, nos casos de dívidas em cartões de crédito, cheques especiais ou compra de imóveis”, avalia o professor.

Os dois especialistas também defendem a ampliação da distribuição do produto com sua inclusão na jornada do consumidor. Para eles, a contratação do seguro poderá ser ampliada se o consumidor perceber a grande vantagem que representa na eventual ocorrência dos eventos cobertos.

Além disso, vale lembrar que mais segmentos econômicos poderão incrementar a oferta, como construtoras e incorporadoras, que podem oferecer a proteção no ato da venda de imóveis, colocando ao lado de administradoras de cartão de crédito, instituições financeiras em geral e empresas que vendem bens ou serviços na forma de crediário.

Fonte: CNseg