“O que o Maio Amarelo nos ensina”, artigo de Márcia Pontes

O Movimento Internacional Maio Amarelo chegou com tudo em 2014 e depois dele a cidade não foi mais a mesma. Antes do Maio Amarelo nunca se viu a cidade mobilizada durante um mês inteiro para falar de trânsito e realizar ações para chamar a atenção por um trânsito seguro e humanizado. Nunca se viu tantas pessoas, organizações, instituições, ONG’s e representantes do poder público trabalhando juntos incessantemente, abraçando a causa e vestindo a camisa. Neste ponto, o Maio Amarelo ensina que é hora de aprendermos a trabalharmos juntos, sem sobreposição uns aos outros, sem vaidades, ainda que, em algum momento, elas existam (e seria uma hipocrisia negar). Mas, neste ponto, a sociedade civil está cada vez mais mobilizada e organizada e buscando cada vez mais a sintonia com o poder público.

O Maio Amarelo também nos ensinou em 2014 e está ensinando em 2015 que por mais ações de impacto que façamos, isso não resolve o problema da violência, mortalidade e sequelas no trânsito, tanto que em 2014 maio foi o mês com mais acidentes e em 2015 o mês nem acabou e já começamos com 2 mortes e acidentes graves. Neste ponto, precisamos mais que nos vestir de amarelo e distribuirmos panfletos e adesivos, o que não invalida o esforço de todos nessas ações.

O Maio Amarelo nos ensina que um trânsito seguro se faz com três pilares: fiscalização, educação e engenharia. Ensina que humanizar o trânsito começa por construir uma cidade para as pessoas, passa por cuidar das pessoas no trânsito e que o motorizado não é o mais importante, embora seja o que dê mais dor de cabeça. Neste ponto, o Maio Amarelo ensina à Blumenau que precisamos pensar mais em mobilidade humana do que em mobilidade urbana, até porque o trânsito é feito de pessoas e para as pessoas. Ensina que já passou da hora de incentivar a carona solidária, o uso racional do veículo, e as medidas protetivas reais, eficazes e eficientes para quem caminha e pedala pela cidade.

O Maio Amarelo ensina que há mais pessoas cruzando a cidade de bicicleta para ir e vir do trabalho, da escola. Ensina que há muito mais adultos e crianças vítimas de acidentes de trânsito do que imaginamos. Ensina que entre a população há muito mais pessoas preocupadas com a segurança dos pedestres e dispostas a deixar o carro em casa se tivéssemos uma estrutura voltada para isso.

O Maio Amarelo nos ensina que há mais professores interessados e precisando de estímulos para trabalhar educação para o trânsito em todas as disciplinas o ano inteiro do que possamos imaginar. Nos ensina também que educação para o trânsito para ser bem feita precisa ser com paixão, com sangue nas veias, com entrega e com paixão e não só como dever de ofício. Neste ponto, ensina também que é necessário o compromisso e o engajamento de outras pastas do colegiado de governo, tais como a Secretaria de Educação, de Saúde e tantas outras ainda mais óbvias. Ensina que quando se quer, se faz acontecer.

O Maio Amarelo ensina o trabalho do voluntariado, que passa o mês de maio de pires na mão coletando moedas para produzir materiais a serem distribuídos nas ações e que nem sempre é valorizado. Neste ponto, o Maio Amarelo ensina que a sociedade civil organizada tem sede, vontade e uma capacidade de mobilização que de tão grande chega a incomodar.

O Maio Amarelo mostra a força da parceria entre sociedade civil e poder público, expõe fragilidades nos cuidados à vida, mas, acima de tudo, aponta caminhos e fornece indicadores importantes que podem melhorar a atuação em prol de um trânsito seguro e humanizado ao longo de todo o ano. O Maio Amarelo produz ações coordenadas e muitos “coordenadores”, sem deixar de valorizar todos os cidadãos e entidades que encabeçam as ações conjuntas.

Mas, de tudo que o Maio Amarelo nos ensina é que precisamos muito mais do que tudo isso. Precisamos de Programa de Humanização do Trânsito (PHT) que seja estratégico, pensado no contexto das ações integradas, sistêmicas e permanentes e cogerenciado pela sociedade civil e poder público de forma paritária. Nos ensina também que este PHT deve fazer parte de uma política séria, inédita, executável e sustentável para a segurança das pessoas no trânsito e que seja construída de forma conjunta e não ofertada em forma de tutela, favor ou benesse. Maio amarelo ensina cidadania.

O Maio Amarelo ensina que a vida é o bem mais precioso a ser cuidado por todos e que humanização vem de humano, de ser humano e de exercer e proteger essa humanidade no trânsito diuturnamente, 365 dias por ano. Ensina que só a fiscalização não educa e que aumentar a velocidade nas vias, seja por gosto ou por estratégia de gestão não humaniza ninguém.

O Maio Amarelo nos ensina que as iniciativas e boas ideias para um trânsito seguro surgem tanto do lado de lá (sociedade civil organizada) quanto do lado de lá (os agentes do poder público institucionalizados) e que essa distância tem que diminuir cada vez mais até deixar de existir para que possamos realmente trabalhar juntos o ano inteiro, por uma cidade sem acidentes, sem mortos e sem feridos ou sequelados no trânsito.

Que essa busca seja cada vez mais intensa e faça parte do compromisso de cada um durante todos os dias. Que a contribuição de cada um seja valorizada, reconhecida, respeitada e jamais chegue a ser vista como competição ou vitrine. Que a causa humanitária de salvar vidas no trânsito seja a principal bandeira, o principal motivo e compromisso para unir a todos em busca do bem comum guiado por rumos claros e objetivos bem definidos.

No trânsito, todos temos direito à via e à vida. Todos somos frágeis. Todos somos vítimas e nunca saberemos quem será a próxima vítima. O modo como alguém dirige ou se comporta no trânsito afeta diretamente a cada um de nós. É isso que o Maio Amarelo nos ensina: que precisamos cuidar mais e melhor da vida das pessoas no trânsito. Seja no âmbito pessoal, dos autocuidados, seja no âmbito coletivo, no centro do espaço que rege as relações e parcerias entre sociedade civil organizada e poder público. Que possamos deixar a nossa marca. Mas, sempre associada à busca de soluções para um trânsito seguro e humanizado em qualquer situação. Esse é o verdadeiro espírito do Maio Amarelo.

Fonte: Observatório Nacional de Segurança Viária | Márcia Pontes