Como cidades de SC encontraram jeito curioso de “destruir” pedras de granizo antes da chuva

Santa Catarina é o único Estado do país que tem uma empresa especializada em “combater” granizo através da queima de iodeto de prata. Não, você não leu errado. Antes que as pedras caiam das nuvens, um método é acionado para diminuí-las e, assim, evitar grandes estragos, principalmente em lavouras. Atualmente há 13 municípios do Oeste utilizando o serviço, que acaba protegendo as plantações de maçã e outras frutas, além das áreas urbanas da região.

O sistema chegou a Santa Catarina justamente por conta dos danos causados pelo fenômeno nas macieiras — o Estado é o maior produtor de maçãs do Brasil. Já na década de 1960, fruticultores se uniram para evitar novos prejuízos e trouxeram à região uma tecnologia europeia: os foguetes antigranizo.

Em resumo, os equipamentos levavam às nuvens uma substância química composta de iodeto de prata. Ao chegar nas alturas, o foguete explodia e espalhava esse material. Como o iodeto é capaz de diminuir o tamanho das pedras, quando elas caíam podiam se transformar em uma chuva “normal”.

Ocorre que os lançamentos eram feitos praticamente a esmo, sem um método bem estabelecido, o que não trazia tanto resultado, conta o meteorologista da empresa AGF Antigranizo de Fraiburgo, João Rolim. Apenas em 1989 a chegada de um “reforço de peso”, um radar meteorológico instalado em Lebon Régis, começou a mudar a história. Até hoje, ele é o único radar privado do Brasil, já que os demais são governamentais.

Os profissionais observavam as nuvens carregadas pelo radar e lançavam, através de rampas, os foguetes. Toda a estratégia foi lapidada por especialistas russos, que estiveram no local para ajudar na implementação do projeto. Porém, como o custo desses equipamentos era alto — e em dólares — na década seguinte, nos anos 1990, um novo método foi adotado, inspirado na França.

É o mesmo usado até hoje. O iodeto de prata segue sendo a “estrela” do sistema, mas agora é lançado através de uma queima a partir do solo. São 157 geradores espalhados por Fraiburgo e região. Quando a equipe de meteorologia da empresa AGF identifica pelo radar a nuvem carregada, cálculos são feitos para que, do chão, em uma espécie de cano com chaminé, o iodeto seja queimado no momento certo para cumprir o papel dele ao chegar na atmosfera.


A modificação artificial do tempo tem eficácia comprovada através das chamadas placas de granizômetro, que comparam durante uma chuva de granizo o tamanho das pedras dentro e fora da área protegida. Conforme dados da Defesa Civil estadual, o método é capaz de diminuir em até 70% a incidência do fenômeno.

Antes, o órgão público fazia repasses à empresa para contribuir com a prevenção de danos causados por granizo nas áreas urbanas. Porém, desde 2019 a Secretaria da Agricultura e Pecuária assumiu esse papel, como uma forma de política pública. Os municípios recebem os valores para manter o serviço ativo. Neste mês, por exemplo, uma resolução autorizou o envio de até R$ 2 milhões via Fundo

Estadual de Desenvolvimento Rural aos municípios da região para reforçar a operação antigranizo.

No total, comenta João, 800 mil hectares são protegidos pelo sistema em 13 cidades diferentes: Caçador, Calmon, Lebon Régis, Macieira, Matos Costa, Rio das Antas, Timbó Grande, Fraiburgo, Videira, Tangará, Pinheiro Preto, Campos Novos e Monte Carlo. Em média, o custo para manter o sistema é de R$ 9 milhões ao ano, comenta João.

De acordo com a Defesa Civil e o meteorologista, a ocorrência de temporais com granizo são mais frequentes no verão e mais intensas na primavera, sendo que em Santa Catarina uma das regiões mais atingidas é justamente o Meio-Oeste.

Com a ação antigranizo, João e equipe avisam as instituições das cidades monitoradas quando uma nuvem carregada é percebida. A partir daí, a queima do iodeto de prata nos geradores de solo acontece de forma coordenada, evitando grandes estragos na maioria das vezes.

Como o granizo se forma

Mas afinal de contas, por que pedras de gelo caem do céu?

A meteorologista Tatiane Martins, do Sistema Monitoramento e Alerta de Eventos Extremos de Blumenau (AlertaBlu), afirma que o fenômeno está relacionado a ao menos três fatores: alta umidade do ar, calor em superfície e atmosfera instável. Na prática, esse tripé traz a condição para que as gotas de água entrem em contato com áreas de temperatura negativa dentro da nuvem para formar o granizo.

— Para entender o granizo primeiro a gente tem que falar da nuvem dele, que é a cumulonimbus. Ela fica em níveis bem elevados da atmosfera e temperaturas muito baixas. Dentro da nuvem nós temos gotinhas de água, que começam a se chocar umas nas outras para criar gotas maiores. Por conta dessa instabilidade na nuvem, os ventos começam a carregar essas gotas para regiões mais altas, com temperatura negativa. Lá ela se solidifica, fica indo de um lado para o outro, e cresce até o momento em que está grande o suficiente para vencer a força da gravidade e atingir a superfície — explica a meteorologista.

Fonte: Bianca Bertoli | NSC Total