Dois cafés e a conta com Alex Melo

Em 2002, Alex Melo largou o emprego de executivo para se dedicar somente à sua ONG Meu Sonho Não Tem Fim, criada em 1997. Muita gente achou que ele era “meio maluco”. Teve que apertar o cinto, mas, como veio de família muito pobre, nunca foi de gastos excessivos. Só não economizava na educação dos filhos — uma moça hoje com 19 anos e um rapaz de 17. Em seu trabalho voluntário, o paulista Alex, de 45 anos, tem como missão principal conscientizar e motivar por meio do exemplo de vida de 24 grandes sonhadores, que ele associa a virtudes distintas, como Martin Luther King (coragem), Betinho (cidadania), São Francisco (humanidade), Gandhi (compaixão), Stephen Hawking (superação) e Beethoven (perseverança).

Saiba mais: https://sindsegsc.org.br/novidades/agenda/8173/palestra_vinha_de_sonhos

A ONG não tem vínculo ideológico, político, étnico e religioso, e não aceita patrocínios nem doações. Para bancá-la, ele criou em 2006 uma empresa de representação comercial, a Luminia, e destina metade do lucro líquido ao projeto. Alex dissemina os ideais dos sonhadores por meio de palestras, livros (dois de parábolas e reflexões morais, e um infantojuvenil), folhetos, folders, revistas, DVDs e pesquisas. No site meu sonhonaotemfim.org.br, é possível baixar gratuitamente todo o material.

O que motivou sua mudança de vida?

Eu tinha quase 16 anos e ia para o cinema com dois colegas quando vi uma senhora frágil, com olhar triste, mais de 80 anos, sentada num caixote, com uma tigela de alumínio, pedindo esmola. O que mais me doeu foi ver que ela era parte da paisagem. A indiferença dos outros me tirou do eixo. Dei o que tinha na carteira, desisti do filme e voltei para casa. A cena abriu as comportas e toda vez que via alguém em vulnerabilidade social, isso mexia comigo. Pensei: “Vou ficar chorando? Vou dar comida e trocado? Isso pode resolver o problema imediato da pessoa, mas não a longo prazo.” Passei a guardar de 20% a 30% do que ganhava para um futuro projeto social. E comecei a ir a creche e asilo ajudar, mas fui o pior voluntário do mundo. Não consigo lidar com a dor do próximo. Ia brincar com as crianças e ficava no canto, acabado, a ponto de elas terem que falar: “Tio, estou bem.” Há muitos caminhos para fazer o bem, e aquele não era o meu.

E como surgiu a ONG Meu Sonho Não Tem Fim?

Eu era caixa de banco e criei o jornalzinho “Hoje é Sexta-Feira”, com piadas e reflexões de cunho moral. Distribuía para minha área, com dez pessoas, mas as parábolas começaram a fazer tanto sucesso que logo o banco inteiro queria receber. Aí veio o estalo de trabalhar com conscientização e motivação. E surgiu a ideia de fazer isso por meio da vida de grandes sonhadores. Já era superintendente de marketing do banco quando larguei o emprego para me dedicar só à ONG.

Você enfrenta resistências? Ouve que é idealista demais?

A maior dificuldade é que no primeiro momento acham que quero algo. Mas só quero que divulguem as virtudes desses sonhadores. O presidente de uma das dez maiores empresas do país perguntou: “O que posso fazer por você?” Respondi: passe essas histórias adiante. Dou palestra para um público que vai de líderes comunitários a executivos. Fui convidado para falar na Fundação Casa ( antiga Febem ). Pensei: “São menores que foram criados na violência, eu vou lá falar de caridade, de bondade?” Quando falei, muitos olharam com descaso, mas um ou outro acabou sendo tocado. Tanto que logo depois me solicitaram mais exemplares do livro, porque os meninos queriam ler e debater toda sexta uma reflexão. Outra vez o presidente de uma das maiores empresas de headhunters do mundo me convidou para dar palestra. Foi uma das melhores recepções que já tive, com funcionário chorando. O Brasil é muito carente de exemplos e referências.

O que você recomenda a quem também quer ajudar?

Dar o primeiro passo é o mais importante e o mais difícil. Ver aquela senhorinha me fez sair da inércia. É preciso humildade, perseverança e determinação. Jamais devemos subestimar o poder de nossas ações, por menores que sejam. Um gesto pode mudar uma vida, para melhor ou pior. Escolha mudar para melhor. Todo dia ao acordar eu sei que fiz o bem para alguém que nem conheço. Não há nada que pague isso. A ideia da ONG é motivar as pessoas a fazer o bem, a não pensar nos excluídos como números ou estatísticas, como se eles não trouxessem junto suas histórias, seus nomes e seus dramas.

Fonte: O Globo